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https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2016/07/04/

Yuba, uma cultura diferente dentro da comunidade nikkei brasileira

Na Comunidade Yuba, cada um tem suas responsabilidades, além de participar de atividades tradicionais da cultura japonesa e aulas de música, dança e outros
(foto: arquivo pessoal/Masakatsu Yazaki)

NOTAS DO EDITOR: Na década de 1930, um grupo de imigrantes japoneses fixou-se em uma área do Brasil chamada Aliança, com a intenção de estabelecer uma colônia. Dentre eles, estavam Isamu Yuba e sua família. Yuba, juntamente com alguns amigos, mais tarde passou a comprar terras na região. Eles tinham a visão de estabelecer sua própria comunidade agrícola auto-sustentável com valores de "cultivo, oração e arte" em primeiro plano. Sua visão tornou-se a Comunidade Yuba. 

Hoje, a Comunidade Yuba ainda segue a visão original de Isamu Yuba. É uma comunidade que é distinta do resto da comunidade nikkei brasileira. Os membros individuais suportam responsabilidades para a manutenção da comunidade, como agricultura, o preparo de refeições, etc, e participam na cultura tradicional japonesa, assim como uma variedade de formas de arte consideradas importantes. No artigo a seguir, apresentamos as histórias de duas pessoas que vivem ou viveram na Comunidade Yuba.

* * * * *

Existe uma realidade um pouco diferente, não totalmente brasileira nem japonesa na cidade de Mirandópolis, a 600 km de São Paulo. Lá vivem imigrantes e nipo-brasileiros que preservam muito da arte japonesa.


Uma nova cultura

Nascido na cidade de Hokuto, província de Yamanashi, Masakatsu Yazaki, de 72 anos, vive em Yuba desde 1963 – isto é, há 53 anos. “Na ocasião, vim somente para visitar a comunidade, não tinha intenção de me fixar no Brasil”, conta. Depois que passou a morar no Brasil, Yazaki convidou a mãe e o pai também para virem para cá e que algumas vezes a irmã e o irmão estiveram no país para visitá-los.

Masakatsu Yazaki estudou técnicas de artesanato com couro no Japão e se dedica à música em Yuba (foto: arquivo pessoal/Masakatsu Yazaki)

Atualmente, Yazaki se dedica à música. Autodidata, toca piano, dá aulas e também atua como maestro no concerto que é realizado no Natal. Além disso, faz o conserto de calçados – no Japão, estudou técnicas de artesanato com couro e de confecção de calçados.

Durante o tempo livre, gosta de ler, assistir a filmes e compor haiku (ou haikai, em Português, que é um poema clássico japonês, curto, dividido em três versos, de 5, 7 e 5 sílabas, sem rimas e geralmente sobre a estação do ano).

Já o que mais gosta da vida em Yuba é o fato de terem 90% de autossuficiência na produção da alimentação e a liberdade para cada um fazer o que quiser.

Talvez a comunidade seja um dos poucos lugares no Brasil onde se preza tanto pela preservação da cultura japonesa. Mas, assim como nas cidades, são feitas adaptações de acordo com a região. “É um local em que está nascendo uma nova cultura. A comunidade manteve a língua, hábitos alimentares e as tradições japonesas e que foram se amalgamando com as condições próprias do local.”

Com o passar do tempo vem grandes mudanças. Yuba está construindo uma fábrica de processamento de alimentos e teve aumento da população, além de aumento no número de casamentos e nascimentos. Hoje, são 28 residências e um total de 56 pessoas que vivem na comunidade.

Muitas mudanças são feitas pelas novas gerações – ou, pelo menos, ficam encarregadas disso. Yazaki tem uma visão bem positiva dos possíveis futuros líderes da comunidade. “Os jovens de Yuba carregam dentro de si a influência do espírito da tradicional cultura cultivada ao longo dos 80 anos da trajetória de nossa comunidade, fazendo deles jovens dedicados, de personalidade forte e cheios de vitalidade”.


“...a arte precisa estar presente no dia a dia...”

A arte era parte de Isamu Yuba, fundador da Comunidade Yuba, que sentia que era preciso trazer imigrantes artistas para fortalecer a colônia japonesa. Foi assim que a família de Aya Ohara, de 43 anos, foi viver lá, por meio do convite do próprio fundador.

O pai de Aya, Hisao Ohara, era escultor e a mãe, Akiko Ohara, é bailarina e coreógrafa. Akiko é a fundadora do Balé Yuba e, em sua chegada em 1961, começou uma nova fase cultural da comunidade com a construção do Teatro Yuba.

A bailarina Aya Ohara, que nasceu e viveu na comunidade, teve a experiência de estudar balé no Japão (foto: arquivo pessoal/Aya Ohara)

Aya nasceu em Yuba e sua rotina era bastante agitada. Frequentava a escola estadual do bairro Aliança e na comunidade tinha aula de língua japonesa, balé, coral e desenho semanalmente. Até os 10 anos de idade, ajudava a preparar refeições para os cerca de 80 integrantes da comunidade daquela época. Depois, a partir dos 11 anos, passou a participar das atividades na roça com os irmãos mais velhos.

Os jovens e adultos trabalham na roça e as mães com os filhos menores e idosas são responsáveis pelos serviços no refeitório e nas hortas. E cada um tem a liberdade de escolher outras funções específicas, como cuidar dos acervos, dar aulas de dança, etc.

“Gostava de fazer tudo que era coletivo. Ensaios de a e teatro, preparativos de festas e trabalhos”, revela Aya. No tempo livre, quando era criança, ela gostava de desenhar, fazer bordados e brincar ao ar livre com amigos.

Como a vida de um yubense não é igual à que os demais descendentes têm nas cidades, sua identidade também acaba por ser diferente. “Eu me considero brasileira, com forte influência cultural da Comunidade Yuba. Sinto-me diferente dos nipo-brasileiros que residem em outros lugares no Brasil, mas também diferente dos japoneses do Japão.”

Sobre aprendizados valiosos, tudo foi relevante. “É uma escola de vida, do afeto e do coletivo. Como se fosse uma grande família. A felicidade, tristeza e conquistas, tudo é muito intenso”, diz.

Aya define a cultura da Comunidade Yuba como uma “cultura híbrida nipo-brasileira” e explica que as atividades culturais e o trabalho de cultivo estabelecem um constante diálogo com a sociedade, atraindo as pessoas que atuam nas mais diversas áreas, proporcionando trocas e novas ideias.

São muitas as tradições japonesas preservadas no cotidiano da comunidade, que os que vivem ou viveram em Yuba querem passar para outras gerações, entre as quais: mochi tsuki (evento de Ano Novo), koinobori (Dia dos Meninos ou kodomo no hi), hinamatsuri (Dia das Meninas), atividade de haikai, dança (inclusive bon odori). Os yubenses mantêm também diversas receitas que herdaram de seus ancestrais, além da apresentação de Natal que é realizada desde a fundação da Comunidade Yuba, em 1935.

Assim como Yazaki, Aya tem um grande interesse pela arte, mais especificamente pelo balé, que começou a dançar logo depois que aprendeu a andar. E acredita que talvez já gostasse desde quando ainda estava no ventre de sua mãe.

Foi pelo balé que, aos 15 anos, teve a experiência de estudar no Japão durante cinco anos. “Tive emoção de vivenciar o universo que sempre conhecia apenas nos livros e na imaginação”, conta a bailarina. E completa: “Precisei me esforçar muito para acompanhar a matéria e, após a minha formação, ingressei no grupo teatral Shiki, muito conceituado no Japão. Neste período tive o privilégio de adquirir uma das experiências mais ricas de minha carreira artística”.

Despois desta imersão na sociedade japonesa, Aya decidiu morar em São Paulo para buscar novas experiências. Mas mantém o contato com Yuba e coordenou, entre 2009 e 2013, atividades do Ponto de Cultura - Cultivar a Arte. Tratava-se de uma ação do Governo Federal em parceria com Governo Estadual com o objetivo de apoiar as entidades que desenvolvessem alguma atividade artística na comunidade.

O projeto na Associação Comunidade Yuba teve como proposta fortalecer seu núcleo através de encontros culturais, para gerar reflexão, fomentar novas criações artísticas e formar as novas gerações através de trocas e vivências em diálogo com a filosofia da comunidade: a arte ligada ao cultivo da terra e à oração. Além disso, buscou intensificar e ampliar o raio de suas ações culturais, de forma que as comunidades do entorno pudessem usufruir da infraestrutura de Yuba, possibilitando que a experiência trazida em meados do século passado pudesse ser transmitida a outras pessoas.

Aya diz que estas experiências foram fundamentais para conhecer a complexidade do Brasil, tanto na questão racial quanto na desigualdade social. “Para mim foi uma rica oportunidade para refletir sobre a importância da questão da identidade”, finaliza.

Parece que quem se torna um yubense cria uma forte ligação com a arte. E o pensamento do fundador da comunidade Isamu Yuba é bastante interessante. Relacionar a cultura com as raízes, criando uma identidade única.

Construir um núcleo aqui no Brasil onde os imigrantes possam adquirir integração social com a sua tradição.

E para traçar este objetivo, em primeiro lugar necessitamos enraizar a cultura com firmes princípios.

Por isso, a arte precisa estar presente no dia a dia para proporcionar constante imaginação viva e a força de união.

— Isamu Yuba e companheiros

 

© 2016 Tatiana Maebuchi

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About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

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