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Embaixadora Kawaii do Brasil

Akemi Matsuda, Embaixadora Kawaii do Brasil (Foto por Henrique Minatogawa)

Akemi Matsuda, descendente de japoneses de segunda geração, viveu no Japão dos três aos 19 anos de idade. Lá, ela fez o ensino fundamental e, mais tarde, optou pelo que, no Brasil, é chamado de ensino técnico para estudar balé clássico.

“Fui a uma escola como o Bolshoi, da Rússia”, conta. “De manhã, estudava-se as matérias escolares normalmente. Depois do almoço, é só a prática do balé clássico. Estudávamos a história do balé, música, como montar cenário… Era uma escola direcionada para a formação de bailarinos”.

No Japão, Akemi poderia trabalhar como bailarina. Com sua formação em balé clássico, ela já teria emprego remunerado em uma companhia de dança. “Eu queria realmente ser bailarina clássica profissional”, explica.


A moda lolita

Entretanto, Akemi decidiu que era hora de voltar ao Brasil. “Arrisquei essa volta ao país e tive um grande crescimento em relação ao aprendizado e paixão pela dança”, conta.

Contudo, profissões relacionadas às artes no Brasil dificilmente têm reconhecimento em termos financeiros. Em muitos casos, torna-se inviável obter o sustento apenas por essa atividade. “Parei de dançar há cinco anos. Hoje em dia, melhorou bastante, mas de cinco a dez anos atrás, era muito difícil dançar e pagar as contas. A gente acabava pagando para dançar”, afirma Akemi.

“Estava em uma fase muito perdida. Não sabia se continuava dançando, não sabia o que queria da vida”, lembra. Nessa época, ela trabalhava em uma loja especializada na venda de mangás e artigos relacionados à cultura pop japonesa e dava aulas de japonês, ainda com o intuito de financiar sua carreira como bailarina.

Em 2006, em razão de seu trabalho na loja, Akemi foi a um evento em Porto Alegre chamado Animesul. Foi nessa ocasião que ela conheceu a moda lolita. “Vi uma lolita gótica. Ela estava de branco e preto, linda e maravilhosa. Foi espetacular”, conta.

Apesar do tempo em que viveu no Japão, Akemi só foi conhecer esse estilo no Brasil. “Toda aquela paixão de tantos anos pelo balé foi transportada para a moda lolita. Para mim, a moda lolita tem muito a ver com balé clássico”, afirma Akemi.

“Assim que voltei para São Paulo, não pensei duas vezes. Fui para a 25 de Março [uma das regiões mais famosas de comércio da cidade] comprar tecido. Preparei dois visuais em duas semanas”. Assim, graças aos anos na escola de balé, Akemi pôde produzir suas próprias roupas de lolita.

Para ela, a semelhança vai além. “Os dois universos se unem porque no balé clássico, o tempo todo é conto de fadas; a moda lolita também. Primeiro, a questão da estética. A maioria dos vestidos são inspirados nas histórias dos contos de fadas. Bela Adormecida, Alice no País das Maravilhas, Pinóquio… Essas histórias e lendas que ouvimos desde criança. No balé clássico, temos O Lago dos Cisnes, A Bela Adormecida também”.

“O balé clássico fala muito dos séculos XV, XVI e XVII; a moda lolita também se inspira muito no estilo Vitoriano e Rococó, repleto de pedrarias e babados”, continua Akemi.


Cultura kawaii

“Kawaii”, em português, significa bonito, gracioso, fofo. A chamada “cultura kawaii” abrange comportamento, moda e produtos que representam essas ideias. Fortemente identificado com o Japão, é um estilo difícil de ser entendido propriamente em outros países. É um conceito próximo da epifania na literatura.

“A cultura kawaii vem de dentro para fora”, explica Akemi. “São situações e percepções que as pessoas não ativam todos os dias. Para mim, é diário, pois eu vivo nesse meio muito fofo. Não é que na minha casa, no meu quarto tudo seja fofo. Não é apenas ter algum objeto. Não precisa seguir a moda lolita. Isso é o que eu gosto. Basta ter esse sentimento kawaii”.

Para exemplificar, Akemi cita uma situação que pode acontecer nos transportes públicos. “Se uma pessoa se levanta para dar lugar a um idoso, isso é kawaii. Um sorriso, um agradecimento. É preciso sentir essa gratidão”.

Outro momento kawaii pode acontecer na percepção do capricho em uma preparação culinária. No ano passado, Akemi organizou uma refeição em um conceituado restaurante japonês de São Paulo. “Eu gostaria que as meninas conhecessem a delicadeza da culinária japonesa. Trinta pessoas participaram; foi muito legal. Por outro lado, teve reclamações também, de que era muito caro e que era pouca comida”, comenta Akemi. “Eu queria que elas entendessem a delicadeza dos pratos, que é um investimento em qualidade e que há um grande trabalho envolvido na preparação”.

Em outra ocasião, as lolitas foram conhecer a Sala São Paulo, um dos principais espaços de concertos de orquestras sinfônicas do país. “Muitas delas falaram que sempre tiveram vontade de assistir a um concerto lá, mas nunca puderam ir. Então elas finalmente foram e, não só isso, puderam ir vestidas de lolita”, celebra Akemi.


Críticas

No Brasil, a moda lolita não é tão conhecida, comparando, por exemplo, com grupos como góticos e rockabillies. Em 2006, quando Akemi começou no estilo, era muito menos.

“As pessoas falavam que parecia a Xuxa ou a Emilia, do Sítio do Picapau Amarelo. No meio do ano, como usamos saias, muita gente achava que era festa junina também. Com o tempo, surgiram comparações com Lady Gaga. Dependendo do local (um evento alternativo, por exemplo), alguns perguntavam se era drag queen”, conta.

No Brasil, há confusão da moda lolita com o cosplay, que tem uma repercussão relativamente maior e é praticado desde a década de 80 e, sobretudo, fim dos anos 90, com a popularização dos desenhos animados japoneses no país.

Diante das críticas e mal-entendidos, ao invés de se desestimular, Akemi conta que se sentiu e ainda se sente motivada para explicar para as pessoas o que envolve a moda lolita. “É inevitável que as pessoas perguntem sobre a roupa, então é preciso saber explicar”, defende Akemi, manifestando seu lado de professora – ela leciona japonês ainda hoje.


Embaixadora Kawaii do Brasil

Akemi Matsuda (esq.) foi escolhida Embaixadora Kawaii do Brasil em 2013 (Foto por Henrique Minatogawa)  

Em 2009, a japonesa Misako Aoki foi nomeada Embaixadora Kawaii pelo Ministério das Relações Exteriores do Japão, com o objetivo de divulgar a cultura pop japonesa pelo mundo.

Uma de suas viagens foi ao Brasil, ocasião em que Akemi foi sua intérprete. “Eu já vinha lutando pela cultura pop no Brasil e criamos uma grande amizade”.

Em 2013, foi fundada a Nihon Lolita Kyokai (Associação Japonesa das Lolitas), que teve Misako Aoki como sua presidente. Em seguida, ela estimulou a criação de associações em outros países, inclusive no Brasil. Assim, Akemi tornou-se Embaixadora Kawaii do Brasil.

“Muitas pessoas se candidataram em cada país, mas, no meu caso, foi uma escolha da presidente. Eu tenho o objetivo muito forte de transmitir a cultura pop do Japão no Brasil”, afima Akemi. “Há associações no Chile, Argentina, México, Estados Unidos, Canadá, França, Tailândia, Malásia, Rússia, China, Coreia… No Japão, tem as meninas que representam as províncias”, completa.

O título é vitalício, mas não é exclusivo. “A associação poderia escolher mais uma pessoa. Eu acharia ótimo, porque a intenção é espalhar a cultura kawaii”.


Alto custo

Segundo Akemi, há cerca de cinco mil lolitas no Brasil, desde iniciantes até as completas. Para ela, a principal dificuldade para aderir ao estilo é o custo. Isso faz com que a faixa etária das lolitas seja a partir dos 20 anos, que é aproximadamente quando elas começam a ter alguma renda própria.

Como não há produção nacional significativa de roupas e acessórios para lolitas, a alternativa é produzir os próprios itens ou importar. Outra opção das lolitas brasileiras é comprar vestidos japoneses de segunda mão. As lolitas japonesas vendem para brechós, que revendem para o mundo inteiro.

Uma das principais dificuldades das lolitas é o alto custo das roupas e acessórios (Créditos das fotos: Henrique Minatogawa)

Carolina Shimako, nikkei de quarta geração e adepta da moda lolita há poucos meses, aponta essa dificuldade para conseguir itens para compor o look. “É difícil, sim. Tem que pedir pela internet, pois não há lojas físicas no Brasil. Tem que importar ou comprar de alguém que já tem aqui”.

Annie Li, descendente de taiwaneses e japoneses de terceira geração, segue a moda lolita há pouco mais de três meses. “Eu já gostava antes. Via outras meninas, via em revistas também, mas não tinha coragem de entrar na moda. Agora, com o empurrãozinho de algumas amigas lolitas que eu comecei”, conta.

Para comprar roupas e acessórios sem gastar muito, Annie recomenda pesquisar em grupos de lolitas em redes sociais. “Tem que procurar. Por exemplo, no Facebook, tem os grupos de vendas, com produtos de segunda mão que não são tão caros nem muito difíceis de importar. Tem como economizar um pouco”.

Amanda Ricarte é entusiasta da moda lolita há sete anos e se interessa pela cultura kawaii há aproximadamente 10. “Eu não conhecia ninguém e nem sabia como conseguir os vestidos. Depois que comecei a pesquisar, saber como conseguir as roupas, ficou mais fácil”.


Encontro de lolitas

Personagens da Turma da Mônica participaram do evento (Foto por Henrique Minatogawa)  

As lolitas brasileiras se encontram principalmente em casas de chá, docerias e parques. Akemi explica que, de janeiro a abril, há poucos eventos, pois como é verão no Brasil, usar os vestidos torna-se difícil.

Porém, há duas exceções. “Em 14 de fevereiro, se comemora o Valentine’s Day no Japão, então eu faço alguma coisa para comemorar. Neste ano, levei as meninas para tomar sorvete, já que estava muito quente. Em março, tem o White Day no Japão. Ao invés de chocolate, fazemos um amigo secreto para troca de balas, marshmallow e outros doces”, conta.

“Em abril, no Brasil, já tem a Páscoa, então elas gostam de fazer os meetings. Em maio, geralmente não há eventos. Depois, tem o International Lolita Day, que acontece duas vezes por ano, em junho e dezembro.Em julho, se concentram os eventos de cultura japonesa no Brasil. Em agosto, quando começa a esquentar, elas organizam piqueniques. Depois, finalmente, o encontro de Natal em dezembro”.

Thais Chung, descendente de coreanos, acompanha o estilo há quatro anos. “Eu gosto como tem um pouco de inocência, as cores não são tão vibrantes e são muito gostosas de se ver, tem um aspecto mais delicado e feminino”, afirma.

Entretanto, só começou a frequentar eventos vestida como lolita há dois anos e, mais recentemente, também nos fins de semana para sair com os amigos “depois que eles se acostumaram com a ideia”. Nos passeios, ela costuma ir com seus amigos para lojas de chá, casas de bolos e ao cinema.

Encontro de lolitas no evento Mimi Party 2015 (Foto por Henrique Minatogawa)  

Em junho de 2015, Akemi organizou o Mimi Party, um encontro de lolitas aberto ao público, cujo objetivo foi divulgar a moda lolita para quem não conhece.

No Lolita Day de dezembro passado, ela promoveu um encontro em um izakaya de São Paulo para que as lolitas experimentassem o takoyaki. “Quis explicar também toda a cultura japonesa envolvida. Elas gostaram, entenderam a proposta. Quis que todas conversassem entre si, porque fazer novas amizades é o outro objetivo desses encontros de lolitas”, afirma Akemi.

Adepta da moda lolita há quase dois anos, Raquel Braz confirma essa ideia. Ela conheceu Akemi no Festival do Japão, um dos principais eventos da comunidade nikkei em São Paulo. “Era um tea party aberto, todos podiam entrar. “As meninas do estande explicaram tudo para mim e minhas amigas. Ficamos muito felizes. Então começamos a pesquisar”, conta.

Raquel conta que, para criar seu look, usa a criatividade. “Eu tenho poucas roupas. As que eu tenho, comprei do Japão pela internet, de diversas marcas. Os acessórios, comprei no Brasil, então vou misturando e adaptando. Sonho um dia ir ao Japão e comprar eu mesma os vestidos”.

 

© 2015 Henrique Minatogawa

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About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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