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História nº 24: Diário da menina que queria ser japonesa (3)

Leia História nº 24 (2) >>

07/05/2010

Hoje tivemos a “Festa do Dia das Mães” na escola. Quando eu morava no Japão, não havia esse tipo de comemoração na escola brasileira, porque as mães tinham trabalho na fábrica e não podiam comparecer. Nós apenas fazíamos desenhos e cartões e entregávamos para nossas mães em casa. Mas aqui no Brasil as escolas são demais! Dois dias antes, na sexta-feira, as aulas são suspensas e os alunos preparam números de canto, dança e peças teatrais para apresentar especialmente para as mães. As mães das crianças pequenas assistem com lágrimas nos olhos de tanta emoção.

Eu participei de uma peça organizada pela professora Sandra de Português. Meu papel era de uma menina japonesa e fiquei super feliz! A Batchan comprou um tecido estampado de flores vermelhas e fez o meu quimono. Quando eu vesti no dia da apresentação, a professora elogiou que eu estava muito bonita e me colocou adereços para ficar melhor ainda, que foram um colar pink e grandes flores amarelas no cabelo. Quando me olhei no espelho, eu parecia uma dançarina havaiana, aí eu queria dizer que aquilo não combinava com o quimono japonês, mas não consegui falar nada. Por último, no lugar daquele enfeite de cabelo chamado kanzashi, a professora usou ohashi, os pauzinhos de comer. Depois, me puseram nas mãos uma cesta cheia de rosas, me deram um empurrão e foi assim que pisei no palco pela primeira vez!

Quando a Mayara Kato, bastante famosa em Maringá, começou a cantar “Canção pra Mamãe”, eu comecei a distribuir rosas vermelhas para a diretora, as professoras e as mães sentadas na primeira fileira. Meu coração pulava, meu rosto esquentava e as minhas mãos tremiam, mas a Batchan disse que estava maravilhoso. E eu também achei que me saí bem.

A Mammy não pôde vir. Ela falou pra mim no telefone que nas férias de julho ela vem me buscar para passarmos junto em São Paulo.

Querido Diário. Não acha que eu levo jeito pra teatro? Se for papel de japonesa, eu me saio bem, não acha?

Então, boa noite.


10/08/2010

Graças a Deus, o primeiro semestre terminou e eu fui passar as férias em São Paulo. Foi super legal!

Perdão, Diário, que eu não pude te levar junto. Mas é que eu estava tão ansiosa para rever a Mammy que fiquei atrapalhada para fazer as malas e acabei te esquecendo.

Bem, o primeiro lugar que fomos foi ao Festival do Japão. Eu tinha muita vontade de ir, porque a Batchan tinha falado que ela foi uma vez e que é conhecido como o maior festival do Japão da América Latina, já pensou?  

Mas era tanta gente, mas tanta gente que eu fiquei com medo de me perder. Procurava ficar sempre juntinho da Mammy. Uma amiga dela foi conosco e quando ela viu um grupo de cosplay, chegou perto e tirou uma porção de fotos. E depois ela falou pra mim: “O quê? Você não conhece anime nem cosplay? Mas você não é japonesa?” Como é triste não conhecer as coisas do Japão.

Na praça de alimentação, a amiga da Mammy comeu temaki, depois tempura, em seguida okonomiyaki seguido de yakitori, um depois do outro e gostando de tudo. Eu fiquei com yakisoba e okonomiyaki. Estava uma delícia! Mas a Mammy ficou só na Coca-Cola, dizendo que estava de dieta. Mas eu sei a verdade. É que quando estava na 7ª série, os colegas zoaram dizendo que japonês come comida esquisita, aí a Mammy nunca mais comeu comida japonesa. Quando morávamos no Japão, ela não só fazia, mas também comia somente comida brasileira. Eu conheci o gosto do yakisoba no Brasil, quando a Batchan fez para mim e o okonomiyaki eu experimentei na Liberdade e gostei muito.

A Mammy me levou a vários lugares, mas o que eu gostei mais foi do Hopi Hari. Um parque temático localizado num lugar bem grande e estava lotado. A Mammy se divertiu igual uma criança. Éramos Mammy e eu, meus 4 primos de São Paulo mais 5 amigos deles e uma amiga da Mammy com seus 3 filhos.

Meu primo Mateus tem um amigo que é um garoto lindo. Seu nome é Enzo. Tirei uma foto junto com ele. Veja. Vou colar aqui, tá? Diário, tome conta direitinho. Mas pra Batchan é se-gre-do!

Boa noite.


24/12/2010

Véspera de Natal, daqui a pouco vai começar a festa na casa da Batchan. Vieram parentes de diversos lugares. A irmã mais velha da Batchan, que mora em Campo Grande, faz aniversário e vamos comemorar hoje também. Estou numa expectativa!

Quando eu estava no Japão, eu tinha receio de conhecer novas pessoas, mas hoje é diferente. Eu até converso um pouco em japonês e estou mais aberta, a Mammy me elogiou por isso.

Esqueci de te contar! Sabe que agora tenho um nome japonês? A Batchan é grande fã da cantora Yashiro Aki, então ela me pôs o apelido de Akitchan. Valeu, Batchan! Eu queria tanto um nome japonês!

Ano que vem vou estar na 7ª série. Tenho que me esforçar, né?

História nº 24 (4) >>

 

© 2015 Laura Honda Hasegawa

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Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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