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Em busca do significado de JAPA

As palavras têm vida. E se muda o modo de pensar ou o modo de viver das pessoas, as palavras também mudam.

Cerca de sessenta anos atrás, quando eu era criança, o número de nikkeis morando na capital de São Paulo ainda era pequeno, assim, o “japonês” tinha visibilidade em muitos sentidos.

Naquela época, a grande maioria dos brasileiros tinha uma imagem característica dos japoneses e descendentes: “Japonês não entende português” e “Sua comida é diferente” e “Seus costumes são estranhos”.

Desde criança, eu tive um interesse muito grande pela “palavra” e ficava atenta ao uso que as pessoas faziam dela.

Uma frase que os nikkeis da minha geração cansaram de ouvir foi “Japonês garantido nô”. Ou eram palavras ditas pelos japoneses que mal sabiam a língua ou foi uma frase criada pelos brasileiros em tom de brincadeira – só sei que até hoje não ficou claro o seu exato significado. Esse “Japonês garantido nô” poderia soar como uma propaganda que os japoneses faziam de si mesmos e dos produtos que fabricavam, mas a questão é a maneira como essas três palavrinhas eram pronunciadas, parecendo zombar da fala arrevesada dos imigrantes mais antigos. Assim pensa a grande maioria dos nikkeis com quem andei falando.

Mas, recentemente, ouvi de um conhecido nikkei a seguinte explicação: “O ‘japonês garantido’ quer dizer que desde antigamente o japonês era respeitado e essa frase tem significado positivo, que o japonês é confiável e os produtos do Japão têm qualidade garantida”. Esta explicação, para mim, foi novidade. Mesmo assim, as pessoas de minha faixa etária dizem que guardam péssimas recordações do tempo em que ouviam essa frase.

Passado mais de meio século e com o avanço da globalização, a imagem do Japão e dos japoneses mudou completamente e, hoje em dia, é muito raro alguém falar “Japonês garantido nô”. 

Em compensação, uma nova palavra anda na boca de muita gente: “JAPA”.

A primeira vez que ouvi “JAPA” foi em 2008, no Japão, quando eu era professora de uma escola para crianças brasileiras.

Eram cerca de 50 alunos, onde mais de 60% eram mestiços. Certo dia, ouvi uma funcionária da escola dizendo para um garotinho mestiço: “Você é quem tem mais cara de JAPA”. “O que ela quis dizer com isso?” – achei estranho e, ao mesmo tempo, senti um incômodo. Mas como os alunos chamavam um ao outro de JAPA, achei que era um termo em moda entre os decasséguis.

Voltei ao Brasil em 2009, mas foi só recentemente que ouvi novamente a palavra JAPA. Foi quando perguntei a uma amiga brasileira: “Onde vamos almoçar?” e ela disse: “Vamos no JAPA, né?  Eu adoro lá”. Pensei, mas não era esse o nome do restaurante, mas lá serviam tempura e yakisoba. A propósito, num blog que apresenta a culinária japonesa estava escrito “Comida japa”, onde JAPA virou adjetivo, como no caso desse restaurante.

Logo que me mudei para um novo apartamento, ouvi um jovem brasileiro que mora no mesmo edifício dizendo para os amigos que foram visitá-lo: “É uma boa localização. Também tem bastante JAPA”.

Assim, entendi que essa é uma palavra que se usa no cotidiano, mas qual não foi o meu susto quando, assistindo a um noticiário na TV, o apresentador falou: “Um JAPA foi preso como estelionatário”. Só depois que falou o nome do criminoso, no início foi apenas “JAPA”.

Achei que o assunto estava ficando sério e comecei a perguntar para nikkeis de várias idades, profissões, etc. Os de mais idade disseram: “Todo mundo usa, mas não é agradável de ouvir” ou “Soa mal”. A geração jovem se dividiu: “Eu não gosto, não me agrada” e outros dizendo: “Eu não me importo” ou “Normal”.

Também há o caso da mãe de 30 e poucos anos que costuma chamar o filho de 5 anos de Japinha. “Desde pequeno ele tem que sentir orgulho de ser japonês” – argumentou ela.

Sabrina Sato (Foto: George Vale de Mossoró, Brasil, de Wikimedia Commons)

No mundo dos artistas, a nikkei de maior popularidade é Sabrina Sato. Agora que tem um programa na televisão, ela esteve no Japão recentemente para gravar matérias diversas. Acompanhando pela TV ou através da Internet as notícias sobre essa visita, ficou evidente o uso excessivo da palavra JAPA no lugar de Sabrina. Tanto que já se pode dizer que Sabrina e JAPA são palavras sinônimas. E com o slogan de “A japa mais amada do Brasil”, Sabrina Sato continua na trilha do sucesso.

Mas eu ainda não me dou por satisfeita. Sobre o significado de JAPA deve haver ainda muitas outras interpretações.

 

© 2015 Laura Honda-Hasegawa

Brasil Japonês garantido nô (frase) Sabrina Sato gíria
Sobre esta série

Quando criança, eu falava misturando o japonês e o português. Entrando na escola fundamental, fui aprendendo naturalmente a distinguir o que era uma língua e outra e, escrever em português se tornou uma atividade prazerosa. Hoje, 60 anos passados, escrever tanto em português como em japonês é a maior das minhas alegrias. Através desta série, espero poder contar histórias sobre os mais variados temas. Que isto possa chegar até vocês, como se fosse o meu cumprimento de uma refrescante manhã. 

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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