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Estudantes falam sobre aprovação no Noryoku Shiken e estudo da língua japonesa  

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Até 2009, a prova estava dividida em 4 níveis. (Crédito: Henrique Minatogawa)

Para os estudantes de língua japonesa (nihon go) no Brasil, o início do ano é época de, além de muito calor, esperar o resultado do Japanese-Language Proficiency Test (JLPT ou Nihongo Noryoku Shiken, Exame de Proficiência em Língua Japonesa).

No país, a prova acontece no início de dezembro; já os resultados costumam chegar pelo correio no fim de janeiro. Não demora tanto assim, mas o boletim é aguardado com muita ansiedade pelos estudantes. Até existe um ditado, segundo o qual "o resultado do Noryoku Shiken chega assim que você se esquecer dele".

De acordo com o site oficial do JLPT, a prova é aplicada em 206 cidades de 64 países fora do Japão. Segundo estatísticas dos organizadores, em 1984, primeiro ano de realização do teste, 4.473 estudantes estrangeiros prestaram a prova, de um total de 7.019 pessoas. Em 2013, foram 441.244, de um total de 571.075.

Originalmente, a prova era dividida em quatro níveis, do N4 (mais fácil) ao N1 (mais difícil). A partir de 2010, incluiu-se o N5.

O principal motivo por que os estudantes prestam o Noryoku Shiken é realmente avaliar seus conhecimentos no idioma.

"Acredito que, além de apontar o nível do japonês em que a pessoa está, deverá ajudar como um certificado para pessoas que querem ganhar bolsa de estudos, viagens ou trabalhar com a língua japonesa", diz o músico e publicitário Daniel Miura, 31 anos, nisei, aprovado no N2.

"Como para a língua inglesa existem o TOEFL e Cambridge para avaliar e validar o conhecimento da língua, o Noryoku Shiken é importantíssimo para nós, jovens, pois é um documento oficial que comprova o nosso conhecimento", afirma a estudante Ayaka Sato, 16 anos, aprovada no N1.

A mãe de Ayaka é japonesa, então ela aprendeu o idioma japonês primeiro. Depois, passou a estudar com uma professora japonesa radicada no Brasil.

De fato, entre os nikkeis, é muito comum que já tenham alguma base do idioma adquirida em casa. "Comecei a falar japonês em casa e, como que não sabia os kanjis direito, quis  aprender mais", conta a estudante Mai Matsui, 14, sansei, também aprovada no N1.

O caso de Daniel é um pouco diferente. "Como meus pais são japoneses (issei), preferiram que eu aprendesse japonês o mais rápido possível. Assim, estudei em um curso de idiomas (nihongakko), mas só fiz dois anos", conta.

Quando Daniel ainda era criança, a família retornou ao Japão temporariamente. "Sabia falar algumas frases soltas, mas aprendi japonês mesmo lá. Fiquei um ano e fiz a terceira série em 1992. Nos primeiros meses, misturava português com japonês, pois só tinha 8 anos e era muita informação para mim [risos]", lembra.

Depois de voltar ao Brasil, Daniel manteve a prática do idioma japonês apenas conversando com os pais e também com videogames e mangás, sem um estudo formal.

"Fazia 20 anos que não prestava a prova e tinha desencanado quando não passei no N2 em 1995. Só em 2014, bateu a vontade de voltar, com o objetivo de passar até no N1. Como estava economizando, resolvi estudar por conta própria! Comprei alguns livros e peguei o dicionário antigo de casa", conta Daniel.

Ayaka, que até hoje conversa com a família em japonês, conta que, para conseguir o nível máximo, "foi uma preparação de muitos anos. Lendo, escrevendo, falando e recebendo orientações da minha mãe e da professora".

Mai também estudou por meio de livros, com atenção às provas de kanji. "Para mim, o mais difícil foi a compreensão de leitura, e o mais fácil foi a compreensão auditiva", avalia.

Em seu trabalho como músico, Daniel aponta algumas particularidades do uso do nihon go. "Quando escrevemos música em japonês, dependendo do público que queremos atingir, temos que mudar as terminações das frases, as famosas formas de tratamento, algo que não tem muito em português e inglês. Como sinto dificuldade com os kanjis na hora da escrita, acabo escrevendo primeiro em romaji [risos]. Por outro lado, a fonética da língua japonesa facilita muito para encaixar com as notas cantadas", explica.

"Apesar de ter voltado a estudar só no ano passado, acho muito importante estudar não só japonês, mas outras línguas, pois além de ser gostoso estudar e aprender, existem muitas informações que só encontramos na língua nativa", completa Daniel.

"Como descendente de japoneses, eu particularmente acho importantíssimo conhecer, estudar a língua da minha origem independente se vou utilizar profissionalmente ou não. Assim, gostaria que todos os jovens da minha idade que puderem estudar a língua japonesa, de alguma forma o faça", diz Ayaka.

De fato, dominar ou pelo menos conseguir manter uma conversação em japonês pode trazer muitos benefícios e experiências.

"Quando viajei para Orlando [EUA], fomos a um restaurante de uma rede famosa de lojas de departamentos. O jovem que nos atendeu era japonês e nós conversamos em japonês. Quando falamos que voltaríamos ao Brasil, ele ficou assustado e perguntou 'você não é japonesa?'. Aí eu disse que era brasileira, ele perguntou admirado'como você fala japonês tão bem?'. Naquele momento, senti como é importante falar a língua japonesa", conta Ayaka.

"Como pratico dança japonesa, fazemos shows em vários lugares. Quando encontramos com idosos japoneses, alguns só entendem japonês. Assim, podemos cumprimentá-los na língua deles, e isso eu acho legal", afirma Mai.

"O momento mais especial foi em 2008, quando minha amiga que trabalhava em uma produtora me ligou oferecendo um trabalho de intérprete na entrevista do Toshi, vocalista da banda X-Japan. Como era uma banda que ouvia desde criança e que também me influenciou para montar uma banda de J-rock, foi muito especial! Além de poder entrevistá-lo, consegui ver o show bem de perto!", recorda Daniel.


Interesse pela literatura japonesa

Thiago de Paula Cruz, 29 anos, escritor, prestou pela primeira vez o Noryoku Shiken em 2014. Ele se autodefine "brasileiro, o que envolve uma ascendência mesclada de africanos, índios, portugueses, espanhóis e italianos de ambos os lados da família".

Thiago foi aprovado no N5, "o mais básico de todos, mas uma grande conquista para mim, já que não esperava conseguir com apenas cinco meses de estudo de japonês". Depois de estudos de francês, alemão, inglês e latim, ele iniciou um curso de nihon go em julho de 2014.

O interesse especial pelo idioma japonês aconteceu por meio da leitura de "As Viagens de Gulliver", de Jonathan Swift. "Uma das viagens é justamente para o Japão, em que há uma descrição da perseguição aos cristãos. Ao saber da existência de muitos mártires japoneses, comecei a pesquisar sobre o período e descobri Shusaku Endo e, pouco depois, Ayako Miura", explica Thiago.

"Meu desejo motivador é poder ler as obras literárias de autores como esses no original. Endo possui muitas obras em português e inglês, mas gostaria de lê-las no original. Já Miura, em particular, não tem nenhum texto vertido para o português e poucas (raras e caras) traduções para o inglês. Então, para poder aproveitar plenamente sua arte, somente conhecendo o idioma japonês. Para entender uma cultura, é preciso viver seu idioma", completa.

Em sua preparação para a prova, Thiago, além dos estudos em sala de aula, utilizou listas de vocabulário e pontos gramaticais orientados para o Noryoku Shiken.  "A comprovação fidedigna de seu conhecimento no idioma abre mais portas do que simplesmente escrever em seu currículo que você o domina. Serve também para termos uma noção do que precisamos melhorar e a importância de se enfatizar não apenas uma habilidade (como a conversação), mas todas as habilidades básicas na experiência com um idioma".

"A gramática estava um pouco mais complicada, mas não fui muito mal. Já a compreensão auditiva foi a mais difícil sem dúvida, especialmente pela proibição de tomar notas durante a reprodução dos diálogos", conta.

"Meu conhecimento de japonês ainda é bem limitado, mas não ficar completamente perdido ao me deparar com textos em japonês e poder entender algumas pequenas frases e notícias é realmente gratificante", afirma Thiago, que projeta a aprovação no N1 no futuro e também cursar doutorado em literatura no Japão.

"Não há dúvidas de que essa aprovação se mostrou uma motivação a mais para mim. Agora sei que, esforçando-me, posso aprender a viver realmente o idioma japonês e realizar o meu sonho de ler, compreender e aproveitar as obras de grandes autores japoneses em seu idioma original", completa.


* Site oficial do Japanese-Language Proficiency Test: http://www.jlpt.jp/e/ (em inglês)

© 2015 Henrique Minatogawa

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About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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