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O que é isso?

Não fui criado em uma família que seguia as mais rígidas tradições japonesas. Quando criança, falávamos praticamente tudo em português. Em japonês, apenas algumas saudações, alguns verbos e nomes de comidas, lugares e objetos.

Tudo isso era muito natural para mim. Tão natural que eu não imaginava que as outras pessoas não sabiam.

A primeira confusão de que me recordo aconteceu em 1986, na primeira série do ensino fundamental, com 6 anos de idade. Na hora da chamada, a professora falou meu nome, eu respondi:

- Hai! - que era como meus pais ensinaram.

A professora chamou mais uma vez. "Ela não deve ter escutado", pensei.

- Hai! - agora, em voz um pouco mais alta.

Como ela ainda chamou uma terceira vez, resolvi tentar outra palavra:

- Presente! - finalmente funcionou. Imagino que devo ter tido algumas faltas em razão disso.

Depois das férias, os professores e colegas perguntavam o que havíamos feito. Eu dizia que havia visitado jichan e bachan (avô e avó) e ido ao haka (cemitério).

- O que é isso? - perguntavam.

Nunca estudei em escolas bilíngues japonesas, embora existam no Brasil. Na minha classe, na época, havia mais três ou quatro nikkeis.

Algum tempo depois, já com uns 9 ou 10 anos, fui visitar a casa de um amigo pela primeira vez. Era uma família italiana; tínhamos boa amizade.

Na hora do jantar, havia salada. Porém, eu sempre comia salada com shoyu. Procurei com os olhos pela mesa, mas não achei. "Deve ter acabado. Fica chato eu perguntar", pensei.

Porém, eles repararam que eu estava incomodado com algo.

- É que... Onde está o shoyu?

- O que é isso? - o pior é que eu não sabia explicar direito. Falei que era "um líquido preto que coloca na salada".

A mãe do meu amigo disse que iria procurar no mercado. Tempos depois, quando voltei a visitá-los, tinha shoyu. Mais: eles haviam gostado e passaram a usar nas refeições.

Situações semelhantes aconteciam quando os amigos iam à minha casa. Para que não sentassem no chão, eu levava almofadas.

- Ei, sentem no zabuton.

- O que é isso?

Naquele tempo, a imagem do Japão era de um país distante, onde se dirigia do lado contrário ao do Brasil. As poucas referências que tínhamos da paisagem real eram os seriados tokusatsu como Jaspion e Changeman.

Hoje, tudo isso são memórias engraçadas. Minha "adaptação" foi rápida. Logo percebi que eram idiomas diferentes; entendi que eu sabia aquelas coisas por ser descendente de japoneses.

 

© 2014 Henrique Minatogawa

Brasil cultura comida línguas tradições
About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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