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Uma vida cinematográfica: Yoshitaro Amano, peruano e homem do mundo

Yoshitaro Amano nasceu em 1898 na província de Akita (Japão). Em 1954 casou-se com Rosa Watanabe. Em 1956 nasceu seu filho Mário. Em 1964 foi inaugurado o Museu Amano e em 1973 foi criada a Fundação Museu Amano. Ele morreu em Lima em 1982.
(Foto: © Arquivo da Família Amano)

Se um cineasta tivesse que dirigir um filme inspirado na vida de Yoshitaro Amano, não teria que inventar ou exagerar nada para lhe dar emoção. Sua vida tinha todos os ingredientes para ser um acontecimento nas telonas: aventura, drama, paixão, luta, etc. Haveria muitos cenários: uma fazenda no Chile, uma casa comercial no Panamá, um campo de concentração nos Estados Unidos, um porto na África, um museu no Peru. E seu Japão natal, é claro.

Amano foi engenheiro naval, empresário, pesquisador, viajante mundial e filantropo. Eles o acusaram de ser um espião. Ele sobreviveu a um naufrágio. Ela fugiu com o irmão mais novo do Imperador Hirohito. Ele revalorizou uma cultura ignorada.

NEGÓCIOS NAS AMÉRICAS

Yoshitaro Amano chegou ao Peru pela primeira vez em 1929, embora apenas como destino de trânsito. O nosso era um dos nove países americanos onde fazia negócios naquela época (os outros eram Estados Unidos, Panamá, Paraguai, Uruguai, Chile, Costa Rica, Equador e Bolívia).

Recebeu as seguintes condecorações: Ordem do Mérito por Serviços Distintos no Grau de Comandante (Peru), Palmas Magisteriais do Peru no Grau de Comandante, Medalha da Cultura Peruana, Prêmio Yoshikawa Eiji (distinção que o Japão concede aos japoneses que se destacam fora de seu país) e Prêmio da Fundação Japão.
(Foto: © Arquivo da Família Amano)

Em 1935 visitou Machu Picchu, tornando-se – afirma seu filho Mario – o primeiro japonês a visitá-la. Em 1951 voltou a pisar solo peruano, mas desta vez para não sair novamente.

Entre uma viagem e outra, um acontecimento mudou sua vida: a Segunda Guerra Mundial. Um japonês que tinha seu próprio atuneiro e empresas nas três Américas era um alvo muito visível para os Estados Unidos, que em dezembro de 1941 o capturaram no Panamá. Durante a guerra, os japoneses nesta parte do mundo eram suspeitos, especialmente se tivessem poder económico.

Ficou internado cerca de um ano e meio em campos de concentração no Panamá e nos Estados Unidos. Em Junho de 1943 foi embarcado num navio que o levou para a cidade de Lourenço Marques (hoje Maputo), em Moçambique, onde foi parte de uma troca de prisioneiros. Lá o enviaram para o Japão e em agosto ele já estava em seu país.

Sem negócios e expulso como inimigo de guerra pelos EUA, talvez outra pessoa tivesse escolhido ficar na sua terra natal e não complicar as suas vidas navegando novamente para atravessar o oceano. Mas ele, um aventureiro tenaz, escolheu o caminho difícil.

Em fevereiro de 1951, ele embarcou em um navio sueco em Yokohama para viajar para a América. O barco virou numa noite de tempestade, mas – felizmente – os seus passageiros foram resgatados por um navio americano que os levou de volta ao Japão.

A má experiência não o deteve. Em março ele embarcou novamente. Em abril chegou ao Peru depois de uma viagem agitada que incluiu Canadá, Panamá (onde foi salvo da segunda captura graças a um chefe de polícia filho de um ex-funcionário de sua empresa), Jamaica e Bahamas antes pisando em Lima, onde teve dificuldade de entrar por falta de documentos.

No Peru Amano iniciou uma vida nova, menos inquieta, mas mais fecunda no aspecto cultural e, sobretudo, benéfica para o nosso país.

RESGATANDO CHANCEY

Com seu clássico capacete de safári, Yoshitaro Amano e sua esposa Rosa Watanabe, em meio a um trabalho de pesquisa. (Foto: ©Arquivo da Família Amano)

Na década de 1950, Yoshitaro Amano tornou-se presença regular em Chancay (norte de Lima), onde coletou peças arqueológicas da cultura que se instalou naquela parte do país no ano de 1200. A área não era virgem, pois os Saqueadores haviam profanado Porém, pegaram apenas os objetos de metal, descartando os têxteis.

Os huaqueros consideravam Amano um japonês extravagante que estava até disposto a pagar por alguns teares que queimavam para se aquecer enquanto huaqueros. Eles eram muito valiosos para ele. “Os fios teceram o mundo”, costumava dizer.

A cerâmica também era desprezada. Os filhos dos proprietários locais os usavam para brincar de tiro ao alvo com suas espingardas. Em geral, a cultura Chancay era pouco valorizada.

A imagem de Amano dificilmente poderia passar despercebida na área. Seu filho Mario descreve as roupas que distinguiam seu pai: “Capacete Safari, camisa branca, paletó e gravata, luvas brancas, calças largas e botas de cano alto. Um olhar que se resume em “arqueólogo misturado com safári”.

Um encontro casual foi decisivo na formação de seu acervo de peças arqueológicas. Um dia, enquanto explorava, chegou à fazenda Huando, em Huaral, e encontrou um cemitério pré-hispânico transformado em depósito de lixo. Animado, ele começou a bisbilhotar. De repente, apareceu o fazendeiro Graña. “O que você está fazendo aí?”, ele perguntou. “Estou procurando restos de tecidos”, respondeu ele.

Graña o levou para a fazenda Palpa, propriedade da família Vizquerra, proprietária de mantos. Eles, por sua vez, o levaram para a pousada de um japonês chamado Ishiki.

Os japoneses reconheceram Amano, pois ele havia participado de uma conferência que Amano deu logo após sua chegada ao Peru para informar a colônia japonesa sobre a situação no Japão após a Segunda Guerra Mundial. O evento despertou grande interesse na comunidade, ávida por novidades.

Ishiki era um líder dos kachi-gumi (japoneses que se recusaram a aceitar a derrota do seu país na guerra) na área, por isso alguém como Amano, que negava o que pregavam, era mal visto.

No entanto, Amano conseguiu fazer amizade com Ishiki. Ele, consciente do interesse dela pelos vestígios arqueológicos, mostrou-lhe o seu armazém repleto de cerâmicas e têxteis.

Como Ishiki passou a ter sua própria “coleção”? Para seus clientes huaquero. Como a cerâmica e os têxteis não têm valor, pensaram, deveriam pelo menos ser usados ​​para trocá-los por comida na pousada.

Amano propôs comprar as peças dele. “Se você pegar tudo, eu darei a você, você está me atrapalhando”, Ishiki disse a ele. Quando a notícia se espalhou, os amigos do dono da pousada, que também possuía peças pré-colombianas, as entregaram a Yoshitaro, felizes como se Borges tivesse ganhado uma biblioteca.

Rosa e Mario Amano são responsáveis ​​pelo Museu e pela Fundação Amano. (Foto: ©APJ / José Chuquiure)

Mario lembra que seu pai gostava de exibir sua extensa coleção. Seus amigos chegaram primeiro. Mais tarde, os amigos de seus amigos. Sua fama cresceu tanto que em 1958 o príncipe Mikasa, irmão do então imperador Hirohito, visitou a residência Amano para admirar a coleção durante sua visita ao Peru, um grande acontecimento na época.

Mikasa fugiu de sua agenda oficial para desaparecer com Amano, revela sua viúva Rosa. “Meu marido e eu viemos para casa. O príncipe ficou muito feliz ao ver tudo, quando a polícia chegou. Meu marido recebeu um choque, (disseram-lhe) 'você não pode escapar ficando quieto'. O príncipe queria vir. É por isso que digo que o Príncipe Mikasa visitou minha casa”, diz ele, rindo.

Mais de meio século se passou desde aquela visita, mas a memória permanece intacta na memória de Rosa, uma mulher de modos suaves que se emociona ao evocar Amano. “Estou nervosa, faz um tempo que não falo do meu marido”, confessa.

“Ele era uma pessoa extraordinária. Ele se tornou um homem sozinho”, diz ele. “Ele era muito estudioso, muito benevolente com as pessoas, muito gentil; um grande intelectual, sabia muitas coisas”, acrescenta. Seu filho Mário corrobora: “Ele era muito sério, muito íntegro e muito culto, tanto que era chato. “Ele sabia muito, sabia tudo.”

Por que Amano escolheu o Peru para criar raízes? “Por causa da arqueologia”, responde Rosa. Mario, por sua vez, conta que seu pai dizia que em nenhum lugar do mundo seria possível resgatar objetos antigos com tanta facilidade, sem a necessidade de escavação, porque estavam na superfície, como no Peru. E lembra-se dele como um viajante incansável: “Gostava muito de ir à montanha. “Ele amava o Peru.”

O Museu Amano, que este ano completou 50 anos, está sendo remodelado graças a doações que permitirão a modernização e ampliação de suas salas. Guiado pelo seu espírito, o museu nunca cobrou entrada. No entanto, a sua difícil situação financeira tornou-a insustentável. Mario Amano revela que propuseram abrir-se mais ao público local (atualmente dos 5 mil visitantes por ano, 95% são turistas japoneses) e que o primeiro andar terá múltiplas utilizações. O segundo será mantido como espaço arqueológico.
(Foto: ©APJ / José Chuquiure)

O Museu da Imigração Japonesa no Peru “Carlos Chiyoteru Hiraoka” inaugurou em julho de 2014 uma exposição temporária comemorativa dos 50 anos do Museu Amano. (Foto: ©APJ)

* Este artigo foi publicado graças ao acordo entre a Associação Japonesa Peruana (APJ) e o Projeto Descubra Nikkei. Artigo publicado originalmente na revista Kaikan nº 88 e adaptado para o Descubra Nikkei.

© 2014 Texto: Asociación Peruano Japonesa; © 2014 Fotos: Asociación Peruano Japonesa / Archivo Familia Amano

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About the Authors

Enrique Higa é peruano sansei (da terceira geração, ou neto de japoneses), jornalista e correspondente em Lima da International Press, semanário publicado em espanhol no Japão.

Atualizado em agosto de 2009


A Associação Peruano Japonesa (APJ) é uma organização sem fins lucrativos que reúne e representa os cidadãos japoneses residentes no Peru e seus descendentes, como também as suas instituições.

Atualizado em maio de 2009

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