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TV com meu avô

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Meu avô materno nasceu no Japão, na província de Nagasaki. No Brasil, ele morava no interior, bem longe de onde eu morava, em São Paulo.

Quando íamos visitá-lo (nos anos 80 e 90), o planejamento sempre incluía a compra de jornais da comunidade japonesa e algumas fitas VHS.

Antes da internet e da TV por assinatura, assistir a programas japoneses não era fácil. (Foto: Henrique Minatogawa)

Na época, essas fitas eram a única possibilidade de assistir a programas japoneses no Brasil. Não existia internet como a conhecemos hoje e a TV por assinatura ainda dava seus primeiros (e lentos) passos no país.

Deduzo que o processo era mais ou menos assim: alguém, no Japão, gravava os programas em fitas e enviava para o Brasil. No Brasil, cópias eram produzidas para venda ou locação.

Meu avô gostava muito de música. Tanto que seus pedidos eram principalmente de programas musicais. Na lista de pedidos, apenas cantoras de enka, a tradicional música popular japonesa.

Sem dúvida, a fita mais aguardada era a do NHK Kohaku Uta Gassen, tradicional show de fim de ano da emissora. Assim, nos primeiros dias de janeiro, logo íamos às lojas e locadoras em busca de uma cópia para enviar para meu avô. Quando ele telefonava para resolver alguns assuntos, sempre perguntava da fita.

Nas vezes em que ele vinha a São Paulo, era minha a tarefa de ligar o vídeo-cassete para ele. Assim, acabava assistindo junto. Mesmo sem entender nada na época, acabei gostando de enka. Eu até queria ouvir as músicas jovens, mas meu avô pedia para adiantar a fita nessas partes.

Eu ficava observando-o. Ele cantarolava a maioria das músicas e, de vez em quando, dava uma risada discreta do que os apresentadores falavam.

Porém, havia um problema: a fita durava pouco. Isso fazia com que meu avô assistisse à mesma fita muitas e muitas vezes.

Sem as fitas, ele assistia à TV brasileira normal, especialmente aos telejornais. Em certa ocasião, ao ver uma notícia envolvendo os EUA, ele me disse: "não devemos ter rancor dos americanos. São muito inteligentes; temos que aprender com eles".

Outra história marcante aconteceu na final da Copa do Mundo de futebol de 1994, entre Brasil e Itália. Estávamos todos na sala diante da TV, assistindo ao jogo.

Meu avô queria assistir à fita japonesa. Durante os 90 minutos, ele perguntava de vez em quando se a partida ainda iria demorar.

Minha mãe pediu "por favor, pai, espere um pouco. Isso não acontece todo dia". Ainda teve prorrogação e decisão por penalties... Depois da entrega da taça, meu avô finalmente assistiu aos seus musicais.

De lá para cá, muita coisa mudou. Hoje, é possível assistir a programas falados em japonês pela TV por assinatura, internet e DVD/Blu-ray. Hoje, eu não deixaria de assistir a um musical com meu avô por um jogo de futebol.

Era muito divertido assistir TV com meu avô. (Foto: Henrique Minatogawa)

 

© 2014 Henrique Minatogawa

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About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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