A maioria dos japoneses veio trabalhar nas propriedades e depois mudou-se para as cidades, principalmente no litoral, principalmente como comerciantes. Contudo, esse processo não foi homogêneo.
No livro O Futuro Era o Peru , Alejandro Sakuda detalha que muitos imigrantes aprenderam rapidamente vários ofícios. Estamos falando de cabeleireiros, joalheiros, vidraceiros e um longo etc. Então, com o fim da imigração contratada em 1923, outros japoneses passaram a ficar com parentes ou conhecidos e foram ensinados por eles.
Um exemplo desta variedade é Gasumi Tokeshi, um relojoeiro de qualidade artística nascido em Kunigami em 1909, com precisão milimétrica no seu trabalho e paciência, sobretudo paciência para um trabalho tão meticuloso. Eu o conheci quando era criança, tinha 8 anos e ele 80, sempre jovial e travesso, como certamente seria na adolescência.
“Dizem que ele estava muito inquieto. Ele trabalhava como pescador e monitorava as capturas do dia, por isso era muito conceituado mesmo sendo menino. Mas a mãe dele se preocupava com ele, porque nunca se sabe se um pescador vai voltar. Por isso, quando um tio no Peru pede ajuda a um menino, sua mãe o manda para cá, em 1932”, conta sua filha Eva. Por causa dessa viagem, Gasumi não participou da Segunda Guerra Mundial. Ele foi o único dos irmãos a sobreviver.
Aprendizagem do professor
Já em Lima, Gasumi trabalhava em uma loja com o tio. Depois tornou-se relojoeiro “com professor, como se fazia naquela época, ajudando no negócio, primeiro limpando, organizando, vendo como era feito o comércio”, conta Amélia, outra de suas filhas. Essa era a única forma de aprender, com práticas tradicionais de ensino japonês. Talvez por isso tenha crescido o número de relojoeiros japoneses, até que esta se tornou uma profissão característica da colônia.
Gasumi abriu sua própria relojoaria no bairro de Cañete, no centro de Lima, uma loja de teto alto com vitrines fixadas na parede, prateleiras de madeira e uma tradicional sala nos fundos. O trabalho era muito árduo, exigindo concentração e habilidade manual, além de olhar firme e meticuloso. “Sempre o via com uma lupa colada no olho, sob uma luz muito forte, agachado, muito concentrado”, lembra Eva.
Muitas vezes tinha que ficar até de madrugada, porque “chegavam clientes da província, que ficavam alguns dias em Lima, e pediam ao meu pai que terminasse nesse horário, e ele se apressava. Seus clientes eram seus amigos”, acrescenta Eva.
Assim começou a conquistar clientes, que sempre regressavam pela confiança que projetava, pela honestidade no seu trabalho e pela simpatia, que posso atestar. Essa confiança foi muito necessária, pois lhe deram objetos valiosos. “Lembro-me das vitrines cheias de relógios Longines caríssimos, dos quais os clientes saíam sem medo”, diz Amelia. E aos poucos a relojoaria foi se enchendo de tesouros. Todas as noites Gasumi guardava os relógios no cofre e pela manhã os colocava de volta nas vitrines. Desta forma, ele deu educação aos seus seis filhos.
Artista de uma época
O mais difícil era consertar relógios de corda, “às vezes uma peça ficava presa, era preciso tirar a parte da corda e consertar”, explica Amélia. Além disso, eram tempos em que relógios à prova de água nem sequer eram concebíveis, por isso, “outras vezes os clientes iam para o mar com os seus relógios colocados, e para os reparar o meu pai desmontava-os peça por peça para os secar”, diz Eva.
Mas havia espaço para piadas. Gasumi se divertia com seu companheiro Eusebio Sipán, que trabalhava por prazer porque tinha propriedades e podia viver da renda. "O senhor Sipán era um pouco mais rude, cuidava dos despertadores, que era um trabalho menos delicado. Eles eram muito amigos, passavam muito tempo conversando”, conta Amélia.
Com os filhos Tito aprendeu a consertar despertadores e Amélia a trocar lentes e consertar pulseiras. Tudo isso vendo ele trabalhar, ajudando-o nas férias. Apenas o trabalho estava destinado a mudar.
O passar dos anos pôs fim à relojoaria. Em 1973, após adoecer, Gasumi teve que fechar o negócio. Ele o transformou em uma loja de doces. “Havia menos clientes, porque surgiram relógios a bateria e a área ficou mais perigosa. Já não era rentável”, diz Amélia. Foi o fim de uma era, mas Gasumi teve mais duas décadas para compartilhar sua sabedoria.
“Papai tinha mãos delicadas, como as de um artista. Ele sempre acreditou que poderia fazer algo diferente, criativo. Se ele não pudesse fazer outra coisa, era dar educação a todos nós”, diz Eva. Acredito que um artista não é apenas um artista pela sua habilidade manual, mas pela sua sensibilidade, pela sua criatividade. E Gasumi tinha muitos dos dois.
Sua memória para narrar episódios era fascinante, tanto que as pesquisadoras Wilma Derpich e Cecilia Israel o entrevistaram para seu livro Workers in the Face of the Crisis: Testimonies of the Thirties , enquanto Gasumi se lembrava de coisas tão minuciosas quanto o preço do pão a cada ano, e que coisas se poderia comprar com um real. O mestre relojoeiro manteve-se activo até aos últimos dias com a mesma jovialidade e precisão, desta vez nas suas palavras, poucas mas sempre precisas.
“Dedique-se à música”
Ao longo das décadas à frente do relojoeiro, Gasumi acolheu muitos jovens como aprendizes. Um deles foi o lembrado Luis Abelardo Takahasi Núñez, que lembra em suas memórias que foi Gasumi quem o incentivou a seguir a carreira musical. “Como relojoeiro, você é um bom músico crioulo, dedique-se a isso”, disse-lhe Gasumi com senso de humor. E não foi uma má sugestão.
* Este artigo foi publicado graças ao acordo entre a Associação Japonesa Peruana (APJ) e o Projeto Descubra Nikkei. Artigo publicado originalmente na revista Kaikan nº 73 e adaptado para o Descubra Nikkei.
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