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Do Diário do Meu Pai (2) - Lembranças da Família Yokoyama

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Meu pai, falecido em 1995 com 81 anos, veio ao Brasil quando tinha 19 anos. Veio só, em 1934 no Arizona-maru. Folheando um velho diário deixado por ele, deparei, na página “Lembranças da viagem” escrita no dia 23/11/1940, sete anos após sua a chegada à Santos. Abaixo transcrevo um extrato do seu texto.

Meu pai ficou sabendo da realidade chocante. A tragédia ocorrida sete anos antes, com a família Yokoyama na Amazônia. Meu pai (à direita) em foto da época, em 1940.

Certo dia, em Novembro de 1940, uma pessoa que havia trabalhado na Amazônia veio procurar-me para um tratamento dentário. Aproveitei a oportunidade para saber o destino daquelas pessoas que eu havia conhecido no Arizona-maru e que tinham ido para o Amazonas, como a família do Sr Yokoyama. O que essa pessoa me contou deixou-me estarrecido. Uma realidade tão chocante que me deixou transtornado.

Ah! Sr. Yokoyama! Fiquei sabendo que sua esposa falecera três meses após chegarem do Japão, - vítima da terrível malária do Amazonas. Recordo com muita saudade daquela senhora tão bondosa. Lembro-me de cada palavra sua, de cada frase dita por ela durante a nossa viagem no Arizona-maru. Faço minhas preces para que sua alma descanse em paz.

Ele me disse que o Sr Yokoyama tornou-se irreconhecível depois da morte da esposa. Para se ver livre da dor e da tristeza na alma, passou a tomar, dia após dia, mais de litro do forte aguardente. Ele veio a falecer seis meses após sua chegada ao Amazonas.

Deixou órfãos os pequenos Shizu-chan, Ryu-chan e Takeshi-chan. Imagino a tristeza dessas crianças. Estimo que elas tivessem, na época quando foram ao Amazonas 14, 13 e 12 anos, - nessa ordem.

Ah... Tenho tanta pena delas! Fico a pensar... Como estarão passando?...Teriam sido vítimas também, dessa terrível malária?... Teriam tido um mesmo destino triste? Essas dúvidas me torturaram muito. Toda vez que encontrava alguém que tinha estado naquele navio, procurei saber do destino dos Yokoyama.

A mãe da Shizu-chan era uma senhora, culta, bondosa e frágil. Ela costumava falar sobre as preocupações depois da chegada ao Brasil. Demonstrava suas incertezas e costumava comentar, “Queria que o destino fizesse com que você casasse com a Shizue. Seria muito encorajador para nós se pudéssemos trabalhar juntos no Brasil.” Não sei como essas palavras soavam na cabeça daquela menina. Ela só sorria e saltitava ao nosso redor. Ela era uma menina graciosa.

Nós nos divertíamos muito, jogando bola e ping pong, tanto no alojamento, - antes da partida, - como dentro do navio, depois da partida. O jogo de baseball quando descemos em Durban, na África do Sul foi muito divertido.

Meu pai veio ao Brasil em 1934 como imigrante no Arizona-maru

Durante a viagem jogamos muito baralho eu, o Sr Yokoyama, o Sr Nishizaki e o Nakanome. Quando chegamos ao porto de Rio de Janeiro, - os que se destinavam ao Amazonas - tinham que mudar de navio. A despedida foi muito triste. O aperto de mão do emocionado Nakanome foi muito vigoroso, mas, recordo-me agora, - não sei por que – de costas, cabisbaixo ele deixou uma imagem muito triste. O Sr Yokoyama e o Sr Nishizaki lamentaram muito a separação.

A Sra Yokoyama trouxe a Shizu-chan, o Ryu-chan e o Takeshi, Ela se despediu vertendo lágrimas. Um calor crescente encheu meu peito de tristeza e apertou meu coração. Orei em silencio, - “Meus queridos anjos vivam com muita saúde”.

Os olhos da Shizu-chan cheios de lágrimas expressavam um semblante de profunda tristeza. Ela ficou a fitar-me sem dizer nenhuma palavra e se despediu de mim em silêncio. O Ryu e o Takeshi estavam garbosos de boné e roupas de marinheiro, eles disseram “Sr Miyamura – sayonara”.

Oh! Que saudade!...Toda vez que penso nos Yokoyama fico com tanta pena deles.

Fiz uma pesquisa em vão junto aos Consulados de Belém e São Paulo. Não consegui saber nada deles. Só tive confirmação da morte do casal Yokoyama e que os seus filhos estavam com outra família. Eles estariam hoje com 20, 18 e 16 anos. Onde estarão e o que estarão fazendo? Gostaria tanto de vê-los. Com certeza estarão sofrendo muito. Penso neles do fundo da minha alma e estas lembranças sempre me apertam o coração.

Quando escreveu estas páginas, meu pai estava com 26 anos, estava só, solteiro e muito solitário. Não sei por que, mas lendo o diário do meu pai, senti que naquele momento, ele até tenha duvidado da existência de Deus nesta Terra, de tão impiedosa a realidade dos Yokoyama.

Se, um dia, tiver oportunidade de vir a conhecer, algum descendente dos personagens citados, gostaria de conhecê-los em memória deles.

 

* Esta matéria foi publicada em japonês no São Paulo Shimbun em 16/07/2004. Foi revisada e traduzida pelo autor em 25/01/2013.

© 2005 Hidemitsu MIyamura

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Sobre esta série

Publicou em 2005 um livro de crônicas em japonês, com o título de Kagirinaku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い), coletâneas de matérias publicadas na coluna “Dokusha no room”,  no jornal São Paulo Shimbun. No livro constam episódios extraídos de um diário do seu pai com a jornada da sua vida. Falecido em 1995 com 81 anos, seu pai veio ao Brasil como imigrante em 1934 com 19 anos. Nesta série serão apresentados alguns episódios extraídos do livro.

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About the Author

Hidemitsu Miyamura, nascido em 01/01/1944 em Paraguaçu Paulista. Estudou japonês na infância em Apucarana no norte do Estado do Paraná. É engenheiro mecânico formado na Universidade Federal do Paraná. Trabalhou na empresa NEC do Brasil por 34 anos, retirando-se em 2001. Casado com a médica Alice, é pai de Douglas Hidehiro e Érica Hiromi. É autor do livro Kagiri Naku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い) publicado em 2005. Escreve crônicas no São Paulo Shimbun.

Atualizado em janeiro de 2013

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