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História nº 6 (Parte II) : Eis Mayumi! FELIZ NATAL!

História nº 6 (Parte I) >>

De todas as datas festivas, o Natal é muito especial para os decasséguis. Não há quem fique de fora, todos aguardam ansiosamente por este dia. Reunindo-se com os familiares e amigos, todos conseguem esquecer, pelo menos um pouco, a vida corrida dos outros dias. É o momento também de matar as saudades do Brasil. 

Mas o problema é que o dia de Natal não é feriado no Japão. Então quem não pode faltar no trabalho, tem de comemorar na véspera, mesmo assim este é o dia mais aguardado pelos decasséguis.

No dia 24, muitas pessoas vão à casa do pastor Makoto. Desde que ele chegou ao bairro, os nikkeis residentes na região adotaram o costume de dar uma chegadinha para cumprimentar o pastor, independente de serem cristãos. Ouvir a sua mensagem era um motivo a mais. 

Este ano também a mesa estava posta com o tradicional panetone brasileiro, doces como o brigadeiro e quindim e travessas de coxinha, empadinha e bolinho de bacalhau, tudo o que não pode faltar numa festa brasileira. Tudo preparado com capricho por Tomoe, a esposa do pastor, juntamente com as senhoras da vizinhança. 

Todos gostavam muito da casa aconchegante do pastor Makoto. Além disto, era o jeito cativante com que o pastor falava e, principalmente, a atenção com que ele ouvia cada pessoa. Porque o que o decasségui mais quer quando encontra pessoas é falar, desabafar tudo o que guarda no fundo do coração, ele quer ser ouvido - coisa impossível de fazer durante o trabalho. Esta era então uma excelente oportunidade.

O casal Toshiaki e Ângela juntamente com os filhos tinha viajado 3 horas para visitar o pastor. As crianças haviam sido cuidadas por Tomoe, depois se mudaram para outra cidade e entraram numa escola brasileira. Como haviam concluído o ensino fundamental, a família decidiu voltar para o Brasil. Na verdade, os filhos gostavam muito do Japão e não queriam voltar, mas acontece que na escola brasileira, o curso secundário contava com 4 alunos apenas, então o jeito foi regressar para o Brasil.  

Se havia gente indo embora, havia também gente chegando. Lina, por exemplo. Por causa da doença de seu pai, ela trancou matrícula na faculdade e chegou no Japão para trabalhar. E quando estava toda atrapalhada com tantas coisas diferentes, ela conheceu Tomoe, que muito a ajudou. Agora Lina participava também no grupo de evangelização. Havia o Nobuo-san, de 66 anos, que tinha acabado de chegar para trabalhar e assim poder pagar suas dívidas. O serviço de guarda em canteiro de obras era muito duro, mas ele estava se esforçando. 

E assim, todos compartilharam alegrias e emoções e saíram reanimados, depois da singela comemoração na véspera do Natal.

Manhã de Natal, o pastor abre a janela e se maravilha com o dia claro, o céu incrivelmente luminoso e pede a Deus para que hoje também seja um dia abençoado. 

Na véspera ele havia se emocionado com a visita de tantas pessoas e de saber que o vaivém de decasséguis entre o Brasil e o Japão continua. Com a oferta de emprego cada vez mais escassa e difícil no Japão, no Brasil, ao contrário, a economia estava crescendo a olhos vistos. Pelas notícias, o nível de vida do brasileiro estava melhorando, então como entender isso? 

Quem primeiro se anunciou foi Naoto Mori, jovem japonês que conhecera o pastor no Brasil, quando fazia estágio numa escola de futebol em São Paulo. Seu sonho era ser jogador profissional, mas ele foi atrás dos colegas mais velhos e aprendeu a passar as noites na farra, começou a faltar aos treinos e acabou abandonando tudo. Uma noite, avisaram o pastor que um jovem oriental estava caído na rua e quase tinha sido atropelado. Era Naoto, encontrado “bêbado como um gambá”. Resumindo, o jovem teve de desistir da carreira e retornou ao Japão. Dois anos depois, ingressou na universidade e formou-se em psicologia. Atualmente estava trabalhando no apoio a filhos de decasséguis, pois era grande o número de jovens que não iam à escola nem trabalhavam, vivendo marginalizados. 

E cada vez mais foi chegando gente. As irmãs Yuki e Yumi chegaram muito sorridentes, dizendo que tinham uma grande notícia para dar. Desde muito pequenas elas viviam no Japão e não tinham intenção alguma de voltar ao Brasil. Foi aí que o maior sonho da vida delas havia se concretizado! Yuri ingressara numa importante universidade japonesa e Yumi estava prestes a se casar com um cidadão japonês. 

Mas nem tudo era pura alegria, apesar do ambiente festivo. Num canto da sala estava um senhor de idade, pouco à vontade. Seu nome é Nakano-san e eis sua história: meio ano atrás, o pastor Makoto havia entrado em contato com ele, que morava no Brasil. Era sobre o neto dele de 18 anos que estava trabalhando no Japão, mas ficou desempregado e passou a perambular pela cidade, chegando a pedir esmolas. Nakano-san fez um sacrifício enorme para juntar dinheiro e viajou ao encontro do neto, mas como muito tempo havia passado, quando chegou, soube que o jovem havia desaparecido. Esse neto estava hospedado na casa do pastor Makoto, mas um dia saiu para fazer um serviço e não voltou mais. 

E como Nakano-san tem a esposa doente no Brasil, decidiu ficar até o final do ano, quando então voltaria para sua terra. Enquanto isso, ele aprendeu a ler a Bíblia e ajudava distribuindo panfletos pela cidade, mas não tinha perdido as esperanças de achar seu neto.

Mais uma pessoa que estava vivendo com todas as forças era dona Kuniko. Ela, o marido, o filho e a nora tinham chegado em 1990. Os quatro trabalharam durante dez anos e voltaram para o Brasil. O marido realizou o sonho de abrir um supermercado, os 2 netos que haviam nascido no Japão estudavam em escola particular, a nora levava e buscava os filhos de carro, dona Kuniko dedicou-se apenas ao lar, levando uma vida confortável. Tudo corria às mil maravilhas até agosto de 2008, quando o supermercado foi assaltado por 4 homens. Seu marido foi baleado e o seu filho, ao tentar reagir, foi morto pelos ladrões. Seu marido se salvou, mas ficou com graves sequelas, o que o impossibilitou de trabalhar e então tiveram de vender o supermercado. A vida foi ficando difícil, sua nora ficou com depressão, os netos passaram para escola pública e a única alternativa foi dona Kuniko voltar a ser decasségui para garantir o sustento do marido, da nora e dos dois netos.

Ao meio-dia, Tomoe dirigiu-se ao órgão e o pastor começou a cantar hinos de louvor. Na mesma hora, os presentes uniram suas vozes e começou um grande coral. Houve quem ficasse com lágrimas nos olhos.

Em seguida, o pastor fez uma prece de gratidão a Deus e todos se serviram. Quando dona Kuniko viu o tradicional panetone de frutas secas sendo repartido, começou a chorar. Ela lembrou o primeiro Natal passado no Japão. Na época seu marido trabalhava com afinco e seu filho também estava junto. Chegando perto do Natal, ela escreveu para os parentes: “Até agora não vi panetone por aqui. Ai que vontade de comer panetone!”. Ao saber disso, sua irmã enviou pelo correio uma caixa contendo o sonhado panetone. Ela lembrou também que seu marido gostava muito de panetone e, pensando no que ele estaria fazendo àquela hora no Brasil, as lágrimas não paravam de escorrer.

As outras pessoas, que também tinham deixado família no Brasil, ficaram sensibilizadas e houve quem caísse no choro.

As crianças estavam num desassossego, aguardando a hora da distribuição dos presentes.

Os adultos deram início ao “Amigo Secreto”. A jovem Yuki, que havia sorteado o nome do senhor Nakano, presenteou-o com um cachecol feito por ela. Ele ficou muito feliz, pois era o que estava precisando no momento. Morando numa região muito quente do Brasil, não tinha levado nada para enfrentar o frio japonês. Estava agradecido pelo carinhoso presente. Naoto, que tinha muitas saudades do Brasil, ganhou de Tomoe um livro de fotos de paisagens brasileiras e ficou muito contente. “Vou usar este livro para motivar os jovens que estou ajudando na clínica”.  

Passado algum tempo, a campainha tocou e, de repente, todos os olhares se dirigiram para a porta. “Chegou! Chegou!”. 

Sem dúvida, era a visita mais aguardada no dia. Usando um felpudo casaco branco com capuz, ela veio no colo de uma jovem de longos cabelos pretos. E, ao ver todos aqueles rostos dando-lhe boas-vindas, ela sorriu de maneira encantadora. Parecia um anjinho que tinha descido do céu. Seu nome era Akari e Mayumi a sua mamãe.

No dia em que se deparou com o tufão, Mayumi não conseguia enxergar mais nada pela frente. Estava a ponto de enlouquecer. “Pelo menos a minha filha tem que se salvar” e foi então que viu “a casa com cerca florida”, em cuja porta ela deixou o bebê com muito cuidado. 

Debaixo de chuva e vento forte ela foi andando a esmo até cair e perder os sentidos na periferia da cidade. Algumas horas depois, quando o tufão já se havia afastado, foi socorrida por um casal de agricultores. No dia seguinte, Mayumi despertou e gritou: “Kodomo, kodomo!”. Estava muito preocupada com a segurança de seu bebê. 

Dois dias depois, já bem melhor, com muita dificuldade conseguiu transmitir ao casal que precisava retornar à cidade para encontrar kodomo. Eles gentilmente se dispuseram a ajudá-la e rumaram para a cidade de caminhonete. Tiveram que rodar muito para localizar “a casa com cerca florida”, mas conseguiram. Era a casa do pastor Makoto.

O pastor acolheu a jovem com alegria e alívio, pois ela estava em boas condições de saúde. E assim, depois de 3 dias, Mayumi se apresentou e repetidas vezes pediu desculpas a todos. 

Pouco depois, ela encontrou trabalho numa fábrica de bento e passou a morar com a pequena Akari num quartinho. Dois meses depois, quando a vida estava ficando assentada, ela começou a sentir saudades do Brasil. Sendo mãe solteira e sem nenhum parente no Japão, Mayumi preferiu voltar, pois sabia que teria os irmãos e a avó que a receberiam de braços abertos. 

Sendo assim, Mayumi e Akari foram se despedir do pastor Makoto. Este Natal seria um dia de muita celebração, uma data inesquecível.

“Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor”
                                                         Lucas 2.11

© 2012 Laura Honda-Hasegawa

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Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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