Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2011/12/7/programa-ohayo-bom-dia-2/

Capítulo final (Parte 2): No ar... Programa OHAYO Bom Dia!

Parte 1 >>

A culinária japonesa também era muito apreciada. Por ser um programa matinal em dia de semana, a maioria dos ouvintes era composta por donas de casa, mas fiquei sabendo que os homens também estavam sintonizados.

Os brasileiros têm interesse em receitas que usam soja. Sendo assim, dei um dia a receita de bolo de “okara”, que é o resíduo de soja após a fabricação do tofu. Os outros ingredientes são bastante usados pelos brasileiros, que são a banana e o fubá. Ao terminar de dar a receita, veio logo um telefonema. “Desculpe, mas poderia falar de novo os ingredientes? A minha esposa agora não está, mas quando ela voltar eu queria que ela experimentasse esse bolo”. Fiquei enternecida, pensando que marido gentil é ele.

Também apresentei uma receita de refogado de “tinguensai”. E como dica para melhorar ainda mais o sabor falei do molho de ostra, o “oyster sauce”, importado do Japão. Alguns dias depois, eu estava na banca de verduras quando o feirante me disse: “Sabe, esteve aqui um senhor que veio comprar “tinguensai” porque aprendeu a receita no seu programa”. “Ah, que bom, fico feliz de saber”, respondi lisonjeada. Então o feirante perguntou de repente: “Como é que é esse tal de molho não-sei-o-quê?”. E eu respondi: “Ah, foi uma dica que eu dei, basta pôr um pouco que o prato fica bem saboroso”. “Esse senhor disse que comprou o tal molho pela primeira vez e que não via a hora de preparar o prato”. Ao ouvir isto, fiquei emocionada. Que poder maravilhoso tem o rádio! Claro, eu fazia tudo de coração, e os ouvintes correspondiam, dando credibilidade às minhas palavras.

Havia uma ouvinte que ligava pelo menos uma vez por semana. Ela era descendente de árabes e tinha enorme interesse pela cultura japonesa. As nossas conversas eram sobre chá verde, tofu, yakisoba, acupuntura. Mas houve um dia em que ela telefonou parecendo aflita. “Alô, o que está acontecendo com o Assashoryu?”.

“Desculpe, poderia repetir?”. “É o Assashoryu. Eu, meu marido e meus dois filhos somos todos grandes fãs dele. Por que ele não está lutando?”.

Fiquei espantada, perdi a fala. Como não tenho o menor interesse por sumô, tive de responder assim: “Olha, eu não tenho visto a TV a cabo ultimamente, prometo que vou pesquisar”. Nesse mesmo dia e no dia seguinte eu acompanhei o noticiário da NHK e assisti ao torneio de sumô. Também pedi a amigos do Japão que me explicassem o que estava acontecendo com esse lutador. Finalmente, pude retornar à ouvinte, explicando o ocorrido. Ela lamentou muito, pois para ela não havia lutador de sumô mais “gracinha” do que esse.

Um colega da mesma emissora pediu que o ajudasse no quadro “Acerte a palavra”. Era assim: os ouvintes teriam de responder qual o significado de uma palavra japonesa, por carta ou por telefone. Haveria um sorteio e duas pessoas seriam presenteadas com CD’s. Como essa região foi antigamente colônia de imigrantes japoneses, pediram-me que eu escolhesse uma palavra um pouco difícil. Então eu optei por shorisha.

No período de um mês, foram poucas as respostas por carta, mas os telefonemas choveram.

A pessoa encarregada de atender os telefonemas me contou algo muito curioso. Um homem parecendo um pouco bravo ligou para falar o seguinte: “Como eu quero ganhar o CD, eu perguntei para os nikkeis conhecidos e para os que moram na vizinhança, mas ninguém soube me responder. Então eu achei que uma pessoa mais estudada saberia e resolvi consultar um médico “japonês”. No fim da consulta, aproveitei e perguntei o significado da palavra e ele me disse que não entendia japonês. Que prejuízo que tive!”.

Havia ouvintes que iam fazer uma visita à rádio. Os que se dedicavam à agricultura me levavam frutas colhidas no pé, café torrado fresquinho. As crianças, com os olhos brilhando de alegria por terem conhecido a “Laura Honda”, ficavam me vendo trabalhar. Numa rádio comunitária o apresentador tem de fazer tudo sozinho, então acho que as crianças me viam como uma Super-Mulher.

Mesmo andando na rua, as pessoas me reconheciam e me cumprimentavam: “Laura Honda!”. Aconteceu quando eu estava em uma loja lotada. De repente, um rapaz entrou correndo. “Eu estou indo buscar a minha mãe, mas aí passando aqui em frente, reconheci que era a “Laura Honda”, parei o carro e vim cumprimentá-la. Não perco seu programa nenhum dia. Espero que continue assim.”. Logo depois, os clientes que estavam na loja também vieram me dar uma palavrinha.

Para finalizar, vou contar a origem do nome “OHAYO Bom Dia”. Quando eu estava começando a pensar que título dar para o programa, encontrei uma vizinha no elevador do prédio. Eu lhe disse “Bom Dia”. Então, a senhorinha de olhos verdes, filha de italianos, respondeu com um sorriso: “OHAYO”. Foi nesse momento que nasceu o nome “OHAYO Bom Dia”.

Foi graças ao programa “OHAYO Bom Dia” que pude realizar um trabalho prazeroso e gratificante. Mas, de uma hora para outra, recebi uma oferta para trabalhar no Japão por dois anos e, assim, no final de 2007, encerrei minhas atividades na rádio. Começou então a minha história como decasségui. Sobre isto, eu quero escrever um dia.  

© 2011 Laura Honda-Hasegawa

Brasil comunicação Ohayo Bom Dia (rádio) rádio sociologia telecomunicações
Sobre esta série

Meus avós vieram do Japão há mais ou menos 100 anos. Eu nasci no Brasil. Por isso, quero servir de “ponte” entre o Brasil e o Japão. O Japão que está arraigado no meu coração é um tesouro que quero guardar para sempre.  E foi movida por esse sentimento profundo que escrevi a presente série.  (Bom dia em japonês é Ohayo)

Mais informações
About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Novo Design do Site Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações