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Capítulo 18 (Parte 2): Nippon antigo está aqui!

Parte 1>>

Vamos voltar às histórias do passado. Em 1959, fui conhecer os meus avós maternos e a casa onde minha mãe vivera enquanto solteira. Era uma fazenda localizada na periferia de Londrina, no estado do Paraná.

Nos dias que passei lá pude vivenciar novas experiências. Começando com o costume de tirar os sapatos ao entrar na casa. Em casa também tínhamos esse costume, logo na entrada havia uma sapateira. Mas na casa de vovó descalçava-se o sapato e simplesmente deixava-se largado no mesmo lugar. Assim, fiquei espantada ao ver todos aqueles sapatos e sandálias espalhadas no chão. Uma prima me emprestou um par de zoori (chinelos de palha). No Japão, as casas têm surippa, chinelos destinados para as visitas.

Na volta de um passeio, entrei na casa e não o achei o zoori. Estava procurando cá e lá quando alguém me avisou: “Aqui não tem um zoori para cada um”.

Era compreensível, pois a família de vovó era numerosa. Só netos, havia sete!

A primeira vez que tomei banho de ofuro foi nessa ocasião. Virou um rebuliço que deu para escrever até um poema, “A primeira vez que tomei banho de ofuro” (Capítulo 3 da presente série).

O latão estava com água quente transbordando. E eu, que não sabia nada, pensei que fosse como banho de chuveiro, me ensaboei e tchibum dentro d’água... Todos fizeram cara de “não acredito!”. Levei um choque. E o trauma ficou, porque desde então nunca mais tomei banho em banheira japonesa.

Além do episódio do ofuro, tenho para contar mais uma grande descoberta que fiz na casa de vovó. Era a sala de visitas que, ao contrário das outras dependências da casa, tinha um ar muito chique.

Para um ambiente de casa de interior da época, os móveis estavam combinando e, olhando para o alto da parede de madeira havia um grande quadro, com uma fotografia emoldurada. Eu logo reconheci que eram o Imperador e a Imperatriz do Japão. Justamente no mês de abril daquele ano realizou-se o casamento do príncipe herdeiro Akihito, e os jornais e revistas do Brasil estamparam fotos da família imperial.

Vovó tinha muita reverência pelo Imperador do Japão. Ela recortava as fotos que encontrava nas revistas japonesas e colava-as com cuidado em um grande painel feito de papelão que também ficava exposto na parede da sala.

Do mesmo modo como nas famílias brasileiras era comum ter o quadro da Sagrada Família, para os meus avós a fotografia do Imperador e da Imperatriz era igualmente digna de ser cultuada, e a figura do Imperador era como um deus para eles.

Por mais exemplos que existam de coisas do Japão antigo entre nós, a maior prova está na língua falada aqui.

O movimento de decasséguis começou na década de 80. Era uma grande oportunidade para os nikkeis. Mesmo sabendo muito pouco da língua, diziam “Dá-se um jeito” e partiam daqui carregando sonhos e esperanças. Mas logo se deparavam com a barreira da língua. Não conheciam os estrangeirismos, a linguagem hierárquica, o modo de falar do homem que é diferente do modo de falar da mulher, enfim, houve casos de trabalhadores que passaram por tristes experiências por causa da língua.

Mas existe uma palavra que, num passe de mágica, nos leva às risadas. Esta palavra é benjô.   

Entre os nikkeis é comum relacionar decasségui com benjô. Muita gente ao chegar ao Japão usou essa palavra para indicar “banheiro”, o que deu motivo para muitas histórias engraçadas, pois não se fala mais assim. 

Também o washlet, vaso sanitário com um sofisticado painel eletrônico, comum em qualquer casa japonesa, motivou uma divertida história. 

Eram três irmãs que saíram do interior de Minas Gerais e foram ao Japão. O ônibus que as levava ao local de destino fez uma parada e elas foram para o toalete. A mais nova foi a primeira a experimentar o tal do washlet. Sentou-se e como não entendia o que estava escrito no painel eletrônico, ela apertou qualquer um dos botões. Foi aí que um jato de água jorrou vindo de baixo e ela deu um berro. As irmãs correram para a porta, tentando abri-la. O grito da irmã mais nova ecoava longe. Suas irmãs tentavam pedir socorro com gestos e as pessoas não estavam entendendo nada. Por fim, a irmã abriu a porta e apareceu com o rosto pálido. As três irmãs chorando, se abraçaram e não se largaram. E as pessoas em volta continuaram não entendendo nada. Para as três irmãs deve ter sido um acontecimento dos mais inesquecíveis.

É assim a nossa vida de nikkei, muito divertida.

O Nippon antigo está aqui mesmo, no Brasil! 

© 2011 Laura Honda-Hasegawa

Brasil cultura Japão
Sobre esta série

Meus avós vieram do Japão há mais ou menos 100 anos. Eu nasci no Brasil. Por isso, quero servir de “ponte” entre o Brasil e o Japão. O Japão que está arraigado no meu coração é um tesouro que quero guardar para sempre.  E foi movida por esse sentimento profundo que escrevi a presente série.  (Bom dia em japonês é Ohayo)

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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