Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2009/05/12/

Capítulo 1: Até logo, Brasil!

Lembro-me bem das situações em que sofri preconceito dos coleguinhas no colégio ou de desconhecidos na rua por ser nikkei. Ficava enfurecida com o fato de parecer diferente e frequentava a escola de língua japonesa com o sentimento de obrigação, já que ser nikkei parecia-me algo ruim. Ouvir comentários como “Abre os olhos, Neusa”, “Kabotcha” e “Filha de pasteleiro” faziam-me pensar se eu era pior ou até melhor que os outros.

Contudo, apenas com o passar do tempo e amadurecimento, percebi que nós, nikkeis, carregamos conosco a mistura da alegria brasileira com a educação japonesa e agora sim, tornou-se evidente que ser nikkei é muito mais do que ter olhos puxados. Como eu me sinto? Brasileira? Japonesa? Os dois.

Não tenho mais avós e avôs vivos e só hoje, percebo como eles fazem falta. Seria ótimo tê-los conosco para contarem suas histórias no Japão, para conversar em japonês e para contribuírem com seus valores à manutenção da cultura japonesa no Brasil. Minha mãe, tendo infelizmente adoecido, também não está mais presente para transmitir seus costumes representando a 2ª geração da família. O câncer não é uma doença fácil de se aceitar, de se conviver e de se tratar e eu espero, do fundo do coração, que profissionais comprometidos e capazes possam encontrar soluções eficazes e a cura para esses pacientes.

Felizmente, encontrei meios de manter o vínculo com a cultura e comunidade japonesas, participando de entidades sem fins lucrativos. Abeuni, Asebex, Seinen da Associação Fukuoka do Brasil e Comissão de Jovens do Seinen Bunkyo foram e são algumas das quais contribuem para minha formação como melhor pessoa e propagação de conhecimento. Para mim, a convivência com nikkeis é essencial para a preservação e fortalecimento de nossos valores.

Ter sido dekassegui foi uma experiência incrível. Não poderia deixar de relembrar o período de um ano e meio de trabalho em uma fábrica de componentes eletrônicos. A dedicação dos japoneses e empenho no trabalho é admirável, realmente é justa sua qualificação como país de primeiro mundo. Lembro-me bem dos primeiros dias de trabalho árduo, sentia muitas dores nos ombros, nas costas e os olhos ardiam de cansaço. Longe do Brasil, entretanto, com um objetivo claro de voltar e ingressar em uma faculdade pública, não me importava com o que precisaria ser enfrentado para atingi-lo.

Conquistas realizadas, passado o tempo de estudo na sonhada universidade pública e o tempo de experiência no mercado de trabalho brasileiro, é com muito orgulho em ser bolsista e ter a honra de poder desfrutar desse investimento feito pelo governo do Japão, que deixei novamente em meu país, pessoas muito queridas e importantes para mim, assim como minha rotina, o conforto de minha casa e meu trabalho.

Agora, a experiência é outra. Tenho a oportunidade de vivenciar a rotina de um universitário japonês. Como é acordar todos os dias e seguir um cronograma de aulas? Ter o prazer de morar em frente a um parque, com sakuras e campo de beisebol? Pegar ônibus para ir à escola ou para voltar ao alojamento? Quais serão as dificuldades e desafios imprevisíveis desses 12 meses no outro lado do mundo?

Poderia citar milhares de coisas que admiro neste país. Todas as atendentes dos estabelecimentos são muito educadas. Todos os motoristas de ônibus são atenciosos e um fato curioso é que esperam que você se acomode em algum assento para partir novamente. Todas as crianças respeitam os pais e muitas delas vão à escola a pé, de mãos dadas com os amiguinhos, afinal, os motoristas são cuidadosos e dificilmente ultrapassam faixas de pedestres ou as velocidades máximas. Cuida-se da natureza, há flores belíssimas em canteiros nas avenidas, no calçadão da praia, nos parques e em jardins das casas. É tudo muito gratificante. Tudo é pensando de forma mais inteligente, mais prática e mais limpa possível. Evita-se o desperdício e incentiva-se a economia. Quem economiza sacos plásticos, recebe desconto. Para jogar lixo, paga-se por volume. Nada mais justo, as pessoas passam a refletir se o que estão comprando realmente é necessário e pensam no lixo que produzem.

Agradeço a Deus e aos meus pais pelo que estou vivendo hoje. Agradeço ao governo do Japão pela belíssima iniciativa e a todos que me apoiaram no Brasil, fazendo acontecer da melhor maneira. Obrigada aos japoneses que nos acolhem todos os dias de braços abertos e que me permitem enxergar com olhos de brasileira o quanto é valioso ter olhos puxados.

Aqui no Japão, nem todos entendem o que é ser nikkei. Às vezes, assim que dizemos que somos do Brasil, estranham o fato de termos a fisionomia de orientais. Acho que esperavam que fôssemos bem bronzeadas, loiras ou altas. Não é tão rápido para entenderem que nossos parentes é quem nasceram no Japão e trata-se apenas de uma herança genética. Os japoneses perguntam se somos mestiços então, mas explicamos que no Brasil, “mestiço” é filho de nikkei com brasileiro. É engraçado estarmos acostumados com esse termo Brasil e chegando no Japão, perceber que nem todos sabem. Além disso, alguns não conhecem a localização geográfica do nosso país mesmo ele sendo tão grande e a língua falada em nossa pátria, mas geralmente sabem sobre nosso Carnaval, o samba, nosso futebol e nossa Amazônia.

As aulas de língua japonesa para estrangeiros e minha vida como estudante pesquisadora na Universidade de Kyushu, em Fukuoka, começarão em poucos dias.

Notes
1. “Neusa” é o apelido dado às mulheres descendentes de japoneses, devido à semelhança sonora com a terminologia da palavra “japoNESA”.

2. Sakuras são as flores cerejeiras típicas do Japão e seu florescer é visto de março a maio. É costume aproveitar esta época para visitar parques, castelo, templos e festas de flores.

3. Carnaval é uma festa famosa brasileira e ocorre em meados de fevereiro, de acordo com a Quarta-feira de Cinzas. Cada cidade tem sua festa típica, mas geralmente as pessoas dançam e acompanham os carros alegóricos.

© 2009 Silvia Lumy Akioka

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Sobre esta série

Meus avós maternos deixaram sua terra natal Fukuoka, no Japão, em busca de uma vida melhor no Brasil. Assim como outros milhares de imigrantes, sacrificaram-se muito e devemos a eles nosso conforto e os valores transmitidos de geração em geração. É com muita gratidão, que deixo registrada nesta série a oportunidade que tive de morar como estudante em Fukuoka.

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About the Author

Silvia Lumy Akioka é sansei brasileira. Foi dekasegui aos 17 anos e em outra ocasião, bolsista na província de Fukuoka, quando publicou a série “O ano de uma brasileira no outro lado do mundo” - seu primeiro contato com este site. É admiradora da cultura japonesa e também gosta de escrever sobre outros temas em blogs. Esteve em Los Angeles como voluntária em 2012 e há 6 anos, é consultora oficial do Descubra Nikkei.

Atualizado em fevereiro de 2019

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