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Capítulo 7 A Formação e Desenvolvimento do Bairro Oriental (2) – A Construção da Estação Liberdade

Começando pelo o Cine Niterói, quatro cinemas especializados em filmes japoneses funcionavam no Bairro da Liberdade desde o início da década de 1950, cintilando seus neons na Rua Galvão Bueno. Em 1964, foi finalizada a construção do prédio sede da Sociedade Paulista de Cultura Japonesa (atual Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa) no cruzamento da Rua Galvão Bueno com a Rua São Joaquim. Por causa desses dois acontecimentos, o espaço entre a Praça da Liberdade, passando pela Rua Gauvão Bueno, até a Rua São Joaquim tornou-se, na consciência dos moradores nikkeis, uma única área, dando assim nascimento à área que se desenvolveria posteriormente como o Bairro Oriental.

Antes da sede da Sociedade Paulista de Cultura Japonesa ser inaugurada, 50 mil nikkeis recepcionaram em 19 de junho de 1958 o Príncipe e a Princesa, Mikasanomiya, em visita ao Brasil para comemorar o cinquentenário da imigração japonesa. Foi a primeira visita de um membro da família imperial do Japão ao Brasil desde o inicio da imigração. Para os nikkeis brasileiros, esse acontecimento foi o maior evento da comunidade nipo-brasileira tanto pré quanto pós-guerra. Justo nessa época Brasília, que seria a nova capital do Brasil, estava sendo construída. Assim, aproveitando a passagem do Príncipe por aqui, foi constituída a Associação de Japoneses de Brasília.

Foto 7-1: Associação da Província de Miyagi. Uma das associações de províncias que ficam no Bairro Oriental (Foto tirada pelo autor 2006)

Desta forma, graças a vários fatores que ocorreram nos anos 50 tais como a estabilidade da comunidade nikkei, o estabelecimento definitivo dos imigrantes japoneses no Brasil, a união das diversas associações e o desenvolvimento econômico japonês entre outros, a "cultura japonesa" começou a ser direcionada ativamente também para a sociedade brasileira. (Negawa, 2005, pp.192-193). As associações de províncias também começaram a ser constituídas a partir da segunda metade da década de 50, a maioria se concentrando na área em que hoje é conhecida como Bairro Oriental (Foto 7-1). Nos anos 70, tendo como pano de fundo o grande desenvolvimento econômico brasileiro durante o governo militar, a expansão das companhias japonesas em território nacional aumentou muito e as relações Brasil-Japão tornaram-se bem mais ativas. Ao mesmo tempo a presença da "cultura japonesa" no país também aumentou rapidamente. Pode-se dizer que nesse período estavam ficando prontas as condições físicas e psicológicas para a construção do bairro japonês como uma "nova terra natal" para os nikkeis.

Durante a segunda metade da década de 60, o centro de São Paulo, incluindo o Bairro da Liberdade, foi revitalizado com as construções da linha norte-sul do metrô e da Avenida Leste-Oeste. A área que ficaria conhecida como Bairro Oriental também foi influenciada por essas obras. Na verdade a própria continuidade do novo bairro japonês estava ameaçado. Segundo comerciantes da época não dava para fazer negócios com toda a poeira e barulho das obras que continuaram por alguns anos. Muitos venderam ou trocaram suas lojas de local (NEGAWA, 2001, pp.111-112).

Segundo o Sr. MK, que possuia um restaurante na Praça da Liberdade: "Havia escavações por todos os lados e a quantidade de poeira era enorme, não era de forma alguma um ambiente propício para gerir um negócio. Certa noite o telhado da minha casa caiu, fuji rapidamente com minha família em direção à Rua Tamandaré. Não sei quantas vezes disse a minha mulher que ia fechar o negócio".

Porém, para fazer frente a essas condições negativas, os líderes nikkeis da Associação de Confraternização dos Lojistas do Bairro da Liberdade, centrada nos Srs. Tanaka e Mizumoto entre outros, trabalharam ativamente. O Cine Niteroi transferiu-se da Rua Galvão Bueno para a Avenida Liberdade, e no mesmo local a Ponte Osaka foi inaugurada. O prefeito de São Paulo na época, Paulo Maluf, expressou seu desejo de que o Bairro da Liberdade se desenvolvesse como um bairro oriental, respondendo assim ao movimento dos líderes nikkeis (ACAL, 1996, p.18). Em junho do ano seguinte, 1969, a Secretaria Municipal de Turismo recepcionou o plano de tornar o presente bairro em "Little Tokyo" (ACAL, 1996, p.18). Desde a década de 60, a cidade de São Paulo tentou, mesmo que não continuamente, construir uma imagem de "cidade multi-étnica". Parece-me que já havia uma tendência a criar um bairro oriental exótico como atração turística (Negawa, 2006, p.138-139).  Com a sequência desses acontecimentos, os comerciantes nikkeis esforçaram-se em não ficarem para trás e perderem as oportunidades trazidas pela revitalização do centro da cidade. No dia 26 de novembro de 1969, a Associação de Confraternização dos Lojistas do Bairro da Liberdade promoveu, juntamente com a queima de estoque de fim de ano das lojas, a primeira Feira Oriental onde foi apresentada, entre outras coisas, a dança de bon.

A Associação Cultural e Beneficiente da Liberdade, ACAL, (associação que surgiu a partir da Associação de Confraternização dos Lojistas do Bairro da Liberdade) reconhece a data de novembro de 1974 como sendo a de criação do Bairro Oriental de São Paulo. Essa data, que é anterior ao termino das obras da estação Liberdade de metrô,  é logo depois do fim da primeira grande obra no bairro. Nessa obra foram construídos os enfeites das ruas, o jardim japonês, o Arco Tori, as lâmpadas suzuran, os azulejos com símbolos "tomoe", etc. A Praça da Liberdade e a Rua Galvão Bueno foram enfeitadas houve encontro de fantasias e desfiles (Foto 7-2). Podemos dizer que com a construção do Bairro Oriental na década de 70 realizou-se o desejo dos imigrantes japoneses que se estabeleceram na cidade, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, de construir uma "nova terra natal" fora de seu país.

Foto 7-2: Desfile de fantasias na inalguração do Bairro Oriental (Foto cedida pelo Sr. MK)

Em fevereiro de 1975, o metrô começou a circular entre as estações Liberdade e Jabaquara. Aproveitando a inauguração da nova Praça da Liberdade, que fica em cima da estação da Liberdade, ocorreu a primeira Feira Oriental. Na primeira metade da década de 60 começou a imigração de coreanos e taiwaneses e na época da feira já havia vários comerciantes originários desses paises no Bairro Oriental. Possivelmente, por causa da presença deles foi escolhido o nome "feira oriental" para essa feira. Porém, pela força da presença nikkei desde aquela época, a feira é conhecida também como "feira de artesanato japonês"(Foto 7-3).   

Foto 7-3: Movimento da Feira Oriental (Foto tirada pelo autor 2006)

Foto 7-4: Atual estação de metrô da Liberdade (Foto tirada pelo autor 2007)

Uma vez perguntei para o ex-vice presidente da ACAL, Sr. YA, por que não escolheram nomes como "São Paulo Little Tokyo" ou "Bairro Japonês de São Paulo" para o Bairro Oriental. O ele respondeu que "realmente havia um movimento para que o nome fosse 'Bairro Japonês'. Além de a presença nikkei na época ser muito forte, também tínhamos o apoio de deputados estaduais nikkeis. Mas a prefeitura recomendou que o nome fosse 'Bairro Oriental' para que os japoneses, chineses e coreanos vivessem em harmonia".

Quando o metrô começou a circular no Bairro Oriental, havia 45 restaurantes, 40 "night clubs" e bares, 12 lojas de produtos orientais, 12 lojas de lembrancinhas, 15 docerias,  além de uma concentração de agências de viagem e turismo na área (Jornal Paulista, nº 6429, 1974 ). A prosperidade dos cinemas nikkei e a 1ª execução dos enfeites e luzes de fim de ano em 1970 (Onishi, 1990, p.13) já eram sinais de que esta seria uma área comercial movimentada.

Atualmente 21 mil passageiros por dia, em média, utilizam  a estação Liberdade (Foto 7-4). Além do Bairro Oriental ser um ponto de acesso para vária partes da cidade de São Paulo, no domingo temos a Feira Oriental e o bairro torna-se também ponto de encontro para jovens fãs de J-POP (Foto 7-5).

Foto 7-5: Garotas fãs de J-POP que se reunem todos os domingos no Bairro Oriental (Foto tirada pelo autor 2007)


 
Bibliografia
ACAL (1996) Liberdade . ACAL

ONISHI, Sadao (org.) (1990) Liberdade利百達地. ACAL

NEGAWA,Sachio (2005) “Nippak Hikaku Bunkashi no Kanôsei—São Paulo Tôyôgai ni okeru Shindentôgyôji no Sôshutsu”. In. Anais do III Congresso Internacional de Estudos Japoneses no Brasil e XVI Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua, Literatura e Cultura Japonesa. Brasília, UnB, pp. 191-202.

NEGAWA, Sachio (2006)  “Multi-ethnic Toshi São Paulo ni okeru ‘Nihon bunka’ no Hyōshō — tōyōgai ni okeru shin-dentō gyōji wo chūshin ni” [Um símbolo da ‘cultura japonesa’ numa São Paulo multi-étnica — em torno das ‘novas comemorações tradicionais’ do bairro oriental]. In. Heisei 16-17 nendo Kagaku Kenkyūhi Hojokin (Kiban Kenkyū C) Kenkyū Seika Hōkoku-sho — Gendai Burajiru ni okeru Toshi-mondai to Seiji no Yakuwari [Relatório referente às pesquisas realizadas nos anos de 2004 e 2005 com os subsídios oferecidos pelo Fundo de Pesquisas em Ciência (pesquisa de base C) — o problema das cidades no Brasil contemporâneo e o papel do governo], pp.129-140

NEGAWA(2001)“Um Comerciante Japonês: História de Vida no Bairro Oriental de São Paulo”, In. Estudos Japoneses 21, São Paulo, FFLCH/USP, 2001, pp.101-114.

© 2008 Sachio negawa

Brasil Japantowns Liberdade São Paulo (São Paulo)
Sobre esta série

O bairro japonês de São Paulo — sempre que eu me vejo imerso nele, cercado de caos por todos os lados, invariavelmente eu sinto a minha mente como que vazia por um instante e me pergunto: “por que teriam esses japoneses atravessado os mares e construído, do outro lado do mundo, um bairro só deles?”.

Nesta coluna, eu gostaria de dividir com os leitores a história e a imagem contemporânea dos bairros japoneses que eu visitei, procurando não me afastar da pergunta que abre este artigo.

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About the Author

Sachio Negawa é professor-assistente dos departamentos de Tradução e Línguas Estrangeiras da Universidade de Brasília. Mora no Brasil desde 1996. É especialista em História da Imigração e Estudos Comparativos entre Culturas. Tem-se dedicado com afinco ao estudo das instituições de ensino nas comunidades japonesa e asiática em geral.

Atualizado em março de 2007

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