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História nº 42: A Batchan está vindo para o Japão!

Eu me chamo Ryoma Leonardo e tenho 11 anos. Papai, que é brasileiro, assistiu à novela da TV japonesa sobre o samurai Sakamoto Ryoma, virou fã dele e escolheu o nome Ryoma, dizendo que só o nome japonês já está bom. Mas a mamãe, que é sansei e grande fã de Leonardo DiCaprio, fez questão de incluir Leonardo no meu nome. O interessante é que todo mundo me chama de Ryoma, o que me deixa muito feliz. Eu gosto muito.

Meus vieram trabalhar no Japão em 2007 e eu nasci em 2011 em Toyohashi, província de Aichi.

Quando eu estava com 3 anos, fui para o Brasil, mas não me lembro muito bem. Logo que o pai da mamãe, o meu Jitchan, ficou doente, a mamãe foi correndo para lá, mas o Jitchan acabou falecendo.

A Batchan tem quatro filhos: os dois mais velhos foram trabalhar no Japão logo que terminaram o ensino médio, se casaram e têm filhos; mamãe, a filha mais velha, casou-se no Brasil e mora com a família no Japão; a filha mais nova estuda línguas como bolsista no Canadá.

Como a Batchan acabou ficando sozinha no Brasil, a mamãe quis que ela viesse morar aqui no Japão, e a Batchan prometeu que vem, sim, mas depois de se aposentar como funcionária da prefeitura dali a seis anos.

“Quando que a Batchan vem para o Japão?” – assim perguntam os netos toda vez que falam com ela por telefone ou vídeo. Ao contrário dos meus primos que estudam em escola brasileira no Japão, eu estudo em escola japonesa, meus amigos são todos japoneses, não falo bem o português nem conheço as coisas do Brasil, então fico um pouco preocupado se a Batchan vai gostar de mim.

Isso de chamar os avós de “Batchan” e “Jitchan” foram os primos que ensinaram. Eu acho que o certo é Obaachan e Ojiichan, mas eles acham que é mais legal assim, do jeito que eles pronunciam.

A Batchan estava ansiosa que chegasse logo o dia de poder vir para cá, mas três anos depois que Jitchan faleceu, a irmã mais velha da Batchan, que morava no interior, ficou doente e foi morar na casa da Batchan, junto com a mãe delas de 81 anos, quer dizer, a minha bisavó.

Foi nessa época que a Batchan começou a fazer vídeos para nós, o que divertia muito a gente. Impressionante como tanto a mãe como as filhas cantavam bem! A Batchan e sua irmã gostavam de “enka”, um tipo de música que a gente não conhecia, mas gostava de ouvir cantada por elas. A música preferida da minha bisavó era Bara ga saita (A rosa floresceu), que ela cantava muito bem. Papai também gostou dessa música e agora nós cantamos juntos, ele acompanhando ao violão.

E para nossa tristeza, o estado de saúde da irmã da Batchan piorou e ela faleceu de repente. A minha bisavó sentiu muito e ficou acamada até que, aos poucos, foi se recuperando, ajudando no serviço de casa. A Batchan a filmou fazendo a comida e mandou para nós. Eu não sabia que no Brasil também se toma misoshiru.1

Exatamente dois anos atrás, a Covid-19 tomou conta do mundo e no Brasil a situação ficou muito ruim. Daí a minha bisavó foi contaminada e pouco antes de ser internada acabou falecendo.

Por causa da pandemia, a minha tia que estudava no Canadá decidiu voltar para o Brasil. A Batchan, que já estava aposentada, mudou-se para o interior levando junto a minha tia por temerem o avanço da Covid-19.

Passados dois anos, finalmente, a Batchan vai chegar no Japão no dia 23 de dezembro. A tia Yurika não voltou para o Canadá e está vindo junto com a Batchan.

A Batchan vai começar vida nova no Japão cercada pelos quatro filhos, sete netos e muitos parentes e pessoas conhecidas!

– Beleza! O Natal deste ano vai ser legal demais – estamos todos na expectativa e na maior animação.

Como estamos em tempo de Copa do Mundo, a Batchan perguntou no telefone:

– Ryoma, para que time você está torcendo? Brasil? Ou Japão?

– É, Batchan... Para os dois, né? Banzai! Viva!


Nota: 1. Tradicional sopa à base de pasta de soja.

 

© 2022 Laura Honda-Hasegawa

Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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