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https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2019/10/3/mine-okubo/

Mine Okubo

A artista Mine Okubo é mais conhecida por Citizen 13660 [“Cidadão 13660”], um livro de memórias em quadrinhos sobre os campos de concentração de nipo-americanos. Ela se tornou a minha heroína enquanto eu estudava na Universidade da Califórnia (UC) em Riverside em 1979. Eu era uma jovem na casa dos 20 anos e me senti inspirada pelas realizações de Mine, vendo-a como parte da “mais grandiosa geração” que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial. Ela fazia as coisas de acordo com o seu ponto de vista e sem dar satisfações a ninguém. Ela lutou tanto como uma artista mulher quanto na sua vida. As dificuldades pelas quais passou a tornaram ainda mais forte. Ela manteve a sua identidade nikkei e nunca se esqueceu da comunidade nipo-americana ou das suas origens em Riverside. Foi empolgante descobrir uma jovem artista nipo-americana com tamanha força de vontade, sabendo desde jovem o que queria fazer da vida. Numa época quando se esperava que as mulheres se casassem e constituíssem família, ela decidiu que nunca deixaria nada interferir com a sua arte.

Mine nasceu em Riverside em 1912. Ela deixou para trás a pequena comunidade de Riverside quando seguiu rumo aos horizontes mais amplos da UC Berkeley. Em Berkeley, a Mine foi exposta a experiências valiosas e pessoas interessantes que moldariam tanto a sua vida quanto a sua arte. Em 1938, uma bolsa de estudos da UC permitiu que ela viajasse para a Europa anteriormente à Segunda Guerra Mundial. Sua viagem foi interrompida pela guerra, mas não antes dela ter viajado extensivamente por dois anos e de ter descoberto a cor e a luz nas suas pinturas.

Tendo crescido durante os anos 60 em Albuquerque, no estado do Novo México, eu estava acostumada em ser a única pessoa de descendência asiática onde quer que eu estivesse. Nossa família era a única asiática-americana no nosso quarteirão. Na escola, às vezes tinha alguns estudantes chineses, mas nenhum nipo-americano, exceto eu e o meu irmão. Meus pais se mudaram para El Centro, na Califórnia, em 1970, quando eu comecei o ensino médio. A primeira vez que eu ouvi falar dos campos de concentração de nipo-americanos foi na minha aula de história do ensino médio na Califórnia. O assunto foi brevemente mencionado numa única página do nosso livro.

Enquanto os asiáticos-americanos em Los Angeles e São Francisco estavam descobrindo a sua identidade por meio do Yellow Power (“Poder Amarelo”), tive que lutar para descobrir a minha numa cidadezinha conservadora. O Imperial Valley [área entre San Diego e a fronteira com o Arizona, no extremo sul da Califórnia] era um deserto, tanto literal quanto culturalmente. A comunidade agrícola nipo-americana local foi o meu primeiro contato com a minha própria comunidade. Notei então a diferença entre os meus pais – diretos e francos, tendo crescido no Havaí – e a comunidade japonesa dos Estados Unidos Continental.

Após o ensino médio, por conta própria comecei a ler livros sobre os campos de concentração de nipo-americanos. Devorei o livro Years of Infamy (“Anos de Infâmia”) de Michi Weglyn, que explicava como funcionários nos cargos mais elevados do governo americano haviam sido cúmplices no envio das pessoas aos campos. O livro descrevia como os nipo-americanos sofreram profundamente durante a Segunda Guerra Mundial devido ao internamento. Fiquei indignada com essas histórias de sofrimento e injustiça.

Quando eu precisei escrever um trabalho de faculdade para o curso de Humanidades “Mulheres & Cultura”, procurei encontrar um(a) artista que tivesse passado tempo num dos campos de concentração. Dei sorte de ser uma estudante da UC Riverside, pois a Mine tinha crescido em Riverside. Ela havia doado documentos e livros para a Seção de Coleções Especiais da biblioteca de lá. Seu livro Citizen 13660 foi bastante revelador devido às francas verdades contidas nas suas ilustrações em preto-e-branco, acompanhadas por observações práticas sobre o seu cotidiano. Seus comentários eram frequentemente cômicos e às vezes contundentes. Durante o seu encarceramento em Tanforan [na área da Península de São Francisco, no norte da Califórnia], ela recebeu cartas de amigos europeus dizendo que tinha sorte de estar livre e segura em casa.

O trabalho da Mine em Trek, a revista de arte e literatura do campo de concentração de Topaz [no estado de Utah], acabaria levando a uma oferta de trabalho na revista Fortune em Nova York. Ela moraria em Nova York o resto da sua vida. Citizen 13660 foi publicado originalmente em 1946, logo após a guerra. Foi um livro ousado para a época, quando os sentimentos anti-japoneses ainda continuavam intensos. Quando Citizen foi reimpresso em 1984, ganhou o American Book Award.

O que mais me surpreendeu no trabalho da Mine foi o fato dela nunca ter deixado de explorar diversos estilos de arte. Mesmo depois de Citizen 13660 lhe trazer fama – a qual perduraria ao longo da vida – ela continuou a evoluir como artista. Seus trabalhos posteriores incluem as suas pinturas “felizes”, com cores vivas e, como tema, crianças, animais, ou flores. Em vez dos mestres europeus, ela havia retornado às tradições folclóricas japonesas em busca de inspiração.

No final da aula, tive que fazer uma apresentação do meu trabalho. Foi um dos poucos trabalhos apresentados sobre uma artista mulher ainda viva. A Seção de Coleções Especiais da biblioteca tinha o endereço da Mine em Nova York. Com aquela intrepidez da juventude, enviei a ela uma carta contendo uma cópia do meu trabalho.

Ela passou então a me enviar os seus cartões de boas festas destacando animais do Ano Novo chinês em arrojados desenhos em preto e branco. Eu ainda estava enviando cartas para ela quando comecei a atuar na comunidade nipo-americana e na sua luta por reparações/indenizações [do governo americano, pelos anos passados nos campos de internamento]. No decorrer dos anos, acabei me casando e tive um filho. Continuei a escrever para ela até a sua morte em 2001.

Cartões de boas festas da Mine Okubo.

Nunca vou me esquecer de um dia em 1981 quando chegou pelo correio um pequeno pacote de Nova York. Aos poucos, eu fui desembrulhando o pacote de papel pardo, me perguntando o que a Mine me havia enviado. Ao retirar o papel de embrulho, me surpreendi de ver uma pequena pintura dentro do pacote. Ela se chamava “Sol, Garota, Gato”, um trabalho em acrílico em preto e branco realizado num estilo brincalhão. Mine tinha incluído uma notinha. Dizia:

Estou enviando um pequeno quadro como agradecimento pela sua tese. Fiquei impressionada com o seu texto, e o seu trabalho demonstra que foi feito com muito esforço e esmero.

Atenciosamente, Mine Okubo.

Sol, Garota, Gato

 

* * * * *

O nosso Comitê Editorial selecionou este artigo como uma das suas histórias favoritas da série Heróis Nikkeis: Pioneiros, Modelos e Inspirações. Segue comentário.

Comentário de Dan Kwong

O ensaio de Edna Horiuchi sobre Mine Okubo me impressionou por várias razões: em primeiro lugar é a importância de jogar uma nova luz sobre uma extraordinária artista nissei e o seu pungente trabalho, Citizen 13660; em segundo, foi a jornada de exploração pessoal realizada pela própria Edna; e em terceiro, foi a feliz interseção destas duas no final do texto. Foi maravilhoso ler como a determinação de uma mulher inspirou uma outra, o que nos lembra que nunca sabemos como os nossos esforços criativos na vida poderão causar impacto em alguém, em algum lugar, algum dia.

O apreço e o respeito de Edna pelas escolhas de Mine como uma artista mulher ressoaram fortemente em mim, pois fui criada por uma mãe nissei, Momo Nagano, que também teve que superar as tradicionais expectativas (e limitações) de ser mulher para realizar o desejo de ser artista.

As histórias de Mine e Edna são sobre mulheres seguindo um caminho de autodescoberta e encontrando formas de compartilhá-lo com outras pessoas – Mine Okubo através da sua arte e literatura; Edna Horiuchi através do seu ativismo comunitário. Foi perfeito o fato delas terem entrado em contato.

 

© 2019 Edna Horiuchi

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Sobre esta série

A palavra “herói” pode ter significados diferentes para pessoas diferentes. Nesta série, exploramos a ideia de um herói nikkei e o que isso quer dizer para cada pessoa. Quem é o seu herói? Qual é a história dele? Como ele(a) influenciou sua identidade nikkei ou a conexão com sua herança cultural nikkei?

Aceitamos o envio de histórias de maio a setembro de 2019; a votação foi encerrada em 12 de novembro de 2019. Todas as 32 histórias (16 em inglês, 2 em japonês, 11 em espanhol, e 3 em português) foram recebidas da Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Japão, México e Peru. Dezoito dessas submissões foram de colaboradores inéditos do Descubra Nikkei!

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas pelo Comitê Editorial e pela comunidade Nima-kai do Descubra Nikkei.


Seleções dos Comitês Editoriais:

Escolha do Nima-kai:

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About the Author

Edna Horiuchi é professora aposentada residente em Los Angeles. Ela trabalha como voluntária na horta educativa de Florence Nishida no sul de Los Angeles e mantém participação ativa no Templo Budista Senshin. Ela gosta de ler, praticar tai chi e ir à ópera.

Atualizado em junho de 2023

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